quinta-feira, 26 de abril de 2012

MAIS FRANÇA


O “Financial Times” divulga a infografia acima, muito útil como elemento de síntese sobre a primeira parte das eleições presidenciais francesas e o respetivo resultado ao intervalo, para além de algumas comparações com atos semelhantes anteriores.

Sobre esta matéria, gostaria ainda sublinhar que não esteve só nas comparações programáticas a “forma apressada e leviana” (como aqui dizia ontem o António Figueiredo) com que Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu comentário de domingo. Esteve também num indesculpável mecanicismo analítico, algures a meio caminho entre um básico lapalissiano e um “partisan” disfarçado.

Como quando referia: “a direita tem uma maioria matemática mas essa maioria só vale se todos os votantes de extrema-direita votarem Sarkozy, além dos votantes do centro”. Ou, baralhando e voltando a dar: “mas o pleno da esquerda dá 40 e tal por cento, quando o pleno da direita dá à volta dos 50 ou acima dos 50%”. Ou, mais normativo: “resta saber se essa direita vota toda em Sarkozy”, “Bayrou vai ser sujeito a uma grande pressão da família do PPE” e “o problema é a Marine Le Pen”.

Com efeito, e como uma vez disse António Guterres, basta fazer as contas. Veja-se, consultando a infografia: se toda a esquerda votar em Hollande, este perfaz 44%; se toda a direita votar em Sarkozy, este perfaz 47%; se todo o centro (Bayrou) votar Sarkozy, este passa a perfazer 56% e vence folgadamente. Brilhante!

Só que a aritmética eleitoral é algo mais complexa do que isto, bem mais complexa aliás. Existe efetivamente uma coisa chamada “reporte” e seria no âmbito de uma avaliação dessas incontornáveis transferências de voto que se poderia esperar a intervenção útil e com valor acrescentado por parte de um comentarista que se quisesse dar ao trabalho de ser rigoroso.

Aqui chegado, e não obstante o irredutível simplismo a que necessariamente acabamos por ser reconduzidos (nunca há dois dias iguais, as transposições têm determinantes múltiplas e por vezes inescrutáveis, as abstenções são estatisticamente ingeríveis, etc.), decidi-me a simular essa realidade através de um exercício que assume dois pressupostos:
·         os votantes de Hollande e Sarkozy (acrescentados dos de Aignan) à primeira volta repetem a sua escolha (pressuposto lógico);
·         a repartição de votos dos restantes três blocos de votantes (total à esquerda de Hollande, centristas de Bayrou e extrema-direita) ocorre de acordo com o pior cenário atualmente disponibilizado pelos institutos de sondagens para as cores de Hollande, a saber: Mélenchon e restante esquerda 82% (H) – 6% (S) – 12% (A); Bayrou 32% (H) – 40% (S) – 28% (A), aqui usando a estimativa de redistribuição de 2007 por ser ainda mais gravosa do que qualquer das presentes; Le Pen 18% (H) – 60% (S) – 22% (A).



Assim obtive, então, aquele que poderá ser o ponto de situação de hoje: 51,7% para François Hollande, ou seja, uma vitória pouco mais que tangencial (possibilidade ilustrada acima por Niels Bo Bojesen em “Jyllands-Posten”, Aarhus, http://jp.dk). O que significa que “le jeux n’est pas fait” e tudo está em aberto, incluindo o sucesso da desesperada tentativa de Sarkozy para não largar o poder (acima ilustrada por Joep Bertrams em “Het Parool”, Amesterdão, http://www.parool.nl).

Muito dependerá, pois, da estratégia, do comportamento e da prestação dos principais agentes envolvidos, sem prejuízo de até poderem vir a interferir factos que lhes sejam exógenos. A única coisa que é mesmo de todo improvável é que, em algum momento, venha a existir aquilo a que Marcelo chamou “o pleno da direita”. Coisas da vida…

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