A primeira volta
das eleições presidenciais francesas e sobretudo o período que se abre até 6 de
Maio transportam para a reflexão política, interna e externa, qualquer que seja
o resultado da segunda volta, um valioso capital de debate futuro.
A ascensão de
Hollande desde a ocupação do vazio deixado pela instabilidade de Strauss Kahn,
passando pelas primárias no interior do próprio PS, até à dinâmica da campanha
da primeira volta, evidencia que é sempre perigoso subestimar um candidato.
Sobretudo porque ele não existe por si só, mas antes e sempre em função de um
contexto político e social. Por menos carismático que se apresente, por mais não
candidato que a imprensa o denomine, a dinâmica de ascensão de uma campanha num
contexto tão marcado pela drástica mutação das condições de vida da população
que vota pode produzir efeitos que a mais sofisticada campanha de preparação de
um processo eleitoral frequentemente não apreende em tempo útil. Tudo isto
mesmo que estejamos a falar de uma velha nação, ainda que em grande mutação.
A rápida e
contundente pressão com que a generalidade da imprensa e comentadores mais
alinhados com opções do foro liberal se apressou a desvalorizar a candidatura
de Hollande e a zurzir o seu programa de governo (a rever em posts seguintes) mostra que não é um candidato
indiferente. A forma apressada e leviana como Marcelo Rebelo de Sousa comparou no
domingo os programas de Hollande e Sarkosy e os meteu no mesmo saco do ponto de
vista da, segundo Marcelo, não resposta aos problemas reais da velha França é
já uma tentativa premeditada de desvalorizar uma possível vitória em segunda
volta. Aliás na linha do que já antes da primeira volta o The Economist e o
Financial Times o haviam feito.
Mas a vitória de
Hollande no primeiro round não pode deixar de ser vista à luz de dois outros
resultados: a votação já representativa obtida pela extrema-direita
nacionalista de Marina Le Pen e a afinal mais baixa do que o esperado, mas
mesmo assim representativa de uma tendência da sociedade francesa, votação de
Mélenchon. Assimétricas no plano político, convergentes em alguma medida na
invocação de um certo nacionalismo económico, as candidaturas de Le Pen e de Mélenchon
são uma clara ilustração das atipicidades de eleitorado a que a última década
europeia e francesa nos conduziu. E aqui a evolução da construção europeia com
total indiferença face ao crescente isolamento (os ingleses usam uma palavra
preciosa para descrever este tipo de situações, detachment) do pensar
efetivo das populações é o grande responsável pela intensidade do crescimento
das margens do espectro político. Se o eleitorado de Mélenchon é mais fácil de
compreender, já o de Le Pen causa mais engulhos. Não tenho bem presente a
percentagem, mas ainda muito recentemente um estudo sociológico da base social
de apoio do partido de Marine Le Pen permitia compreender a sua atipicidade. Para
além de grupos sociais tradicionalmente receptivos a um nacionalismo que se
confunde com formas diversificadas de xenofobia, a presença operária nessa base
é preocupante.
Se o eleitorado
centrista de Bayrout será disputado entre Hollande e Sarkosy provavelmente com
alguma promessa pós-eleitoral de participação num cenário de governação, já a
disputa do eleitorado de Le Pen radicará na exploração da sua diversidade. Sarkosy
tenderá a exacerbar as nuances nacionalistas das suas permanentes piruetas. Já
Hollande terá certamente em conta a parte desse eleitorado identificado com uma
visão de esquerda. Ao Libération, esta afirmação de Hollande vai nesse sentido:
"(parte desse eleitorado) vem da esquerda e devia regressar para o lado do
progresso, da igualdade, da mudança, do esforço partilhado e da justiça, porque é contra os privilégios, a
globalização financeira e uma Europa
enfraquecida”.
Qualquer que seja
o resultado da segunda volta, ela será sempre mais um round de um combate que
terá nas legislativas francesas mais um momento crucial. Nessa projeção jogam a
extrema-direita de Le Pen e também o próprio Mélenchon, embora não seja fácil
antever que dinâmica de convergência partidária a candidatura determinará para
as legislativas.
Uma vitória de
Hollande pelas repercussões europeias que pode gerar marcará indelevelmente a
dinâmica para as legislativas. Uma vitória de Sarkosy adiará para esse momento
o combate final.
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