terça-feira, 24 de abril de 2012

FRANCE – LA VIEILLE DAME EN MUTATION



A primeira volta das eleições presidenciais francesas e sobretudo o período que se abre até 6 de Maio transportam para a reflexão política, interna e externa, qualquer que seja o resultado da segunda volta, um valioso capital de debate futuro.
A ascensão de Hollande desde a ocupação do vazio deixado pela instabilidade de Strauss Kahn, passando pelas primárias no interior do próprio PS, até à dinâmica da campanha da primeira volta, evidencia que é sempre perigoso subestimar um candidato. Sobretudo porque ele não existe por si só, mas antes e sempre em função de um contexto político e social. Por menos carismático que se apresente, por mais não candidato que a imprensa o denomine, a dinâmica de ascensão de uma campanha num contexto tão marcado pela drástica mutação das condições de vida da população que vota pode produzir efeitos que a mais sofisticada campanha de preparação de um processo eleitoral frequentemente não apreende em tempo útil. Tudo isto mesmo que estejamos a falar de uma velha nação, ainda que em grande mutação.
A rápida e contundente pressão com que a generalidade da imprensa e comentadores mais alinhados com opções do foro liberal se apressou a desvalorizar a candidatura de Hollande e a zurzir o seu programa de governo (a rever em posts seguintes) mostra que não é um candidato indiferente. A forma apressada e leviana como Marcelo Rebelo de Sousa comparou no domingo os programas de Hollande e Sarkosy e os meteu no mesmo saco do ponto de vista da, segundo Marcelo, não resposta aos problemas reais da velha França é já uma tentativa premeditada de desvalorizar uma possível vitória em segunda volta. Aliás na linha do que já antes da primeira volta o The Economist e o Financial Times o haviam feito.
Mas a vitória de Hollande no primeiro round não pode deixar de ser vista à luz de dois outros resultados: a votação já representativa obtida pela extrema-direita nacionalista de Marina Le Pen e a afinal mais baixa do que o esperado, mas mesmo assim representativa de uma tendência da sociedade francesa, votação de Mélenchon. Assimétricas no plano político, convergentes em alguma medida na invocação de um certo nacionalismo económico, as candidaturas de Le Pen e de Mélenchon são uma clara ilustração das atipicidades de eleitorado a que a última década europeia e francesa nos conduziu. E aqui a evolução da construção europeia com total indiferença face ao crescente isolamento (os ingleses usam uma palavra preciosa para descrever este tipo de situações, detachment) do pensar efetivo das populações é o grande responsável pela intensidade do crescimento das margens do espectro político. Se o eleitorado de Mélenchon é mais fácil de compreender, já o de Le Pen causa mais engulhos. Não tenho bem presente a percentagem, mas ainda muito recentemente um estudo sociológico da base social de apoio do partido de Marine Le Pen permitia compreender a sua atipicidade. Para além de grupos sociais tradicionalmente receptivos a um nacionalismo que se confunde com formas diversificadas de xenofobia, a presença operária nessa base é preocupante.
Se o eleitorado centrista de Bayrout será disputado entre Hollande e Sarkosy provavelmente com alguma promessa pós-eleitoral de participação num cenário de governação, já a disputa do eleitorado de Le Pen radicará na exploração da sua diversidade. Sarkosy tenderá a exacerbar as nuances nacionalistas das suas permanentes piruetas. Já Hollande terá certamente em conta a parte desse eleitorado identificado com uma visão de esquerda. Ao Libération, esta afirmação de Hollande vai nesse sentido: "(parte desse eleitorado) vem da esquerda e devia regressar para o lado do progresso, da igualdade, da mudança, do esforço partilhado e da  justiça, porque é contra os privilégios, a globalização financeira e uma  Europa enfraquecida”.
Qualquer que seja o resultado da segunda volta, ela será sempre mais um round de um combate que terá nas legislativas francesas mais um momento crucial. Nessa projeção jogam a extrema-direita de Le Pen e também o próprio Mélenchon, embora não seja fácil antever que dinâmica de convergência partidária a candidatura determinará para as legislativas.
Uma vitória de Hollande pelas repercussões europeias que pode gerar marcará indelevelmente a dinâmica para as legislativas. Uma vitória de Sarkosy adiará para esse momento o combate final.

Sem comentários:

Enviar um comentário