Ainda às voltas
com a conclusão do paper para a conferência internacional de Lisboa “New
Challenges for Local Governance”, tenho vindo a debruçar-me sobre a designada,
embora ainda não concretizada, reorganização da administração local mais ou
menos imposta pelo acordo do resgate financeiro.
A decisão do
governo de não mexer no mapa municipal tem de ser compreendida no quadro das
características do poder local em Portugal. Num país altamente centralizado, o
poder dos municípios em influenciar a distribuição dos recursos públicos pelo
território supera bastante o peso que lhe cabe na despesa pública. As fortes cumplicidades
existentes entre os executivos municipais e os aparelhos partidários locais,
combinadas com o poder “sindical” da Associação Nacional liderada por Fernando
Ruas, explicam o juízo de conveniência feito pela atual maioria política. A
questão que permanece em aberto é a de saber se este cálculo pode sair furado
com a opção de remeter para as freguesias o incómodo de mexer para Troika ver.
No passado sábado,
a crónica de Vasco Pulido Valente no Público é particularmente contundente a
propósito desse cálculo político. A invocação da obra de Camilo serve para
transpor para o presente o que VPV designa de “a selva de Camilo”. A expressão usada,
brilhante, é de patriotismo local. Entendo-a como sendo a caracterização de um
dos últimos espaços de localismo em Portugal. As analogias históricas nem
sempre nos conduzem a boas interpretações. Não é seguro que a reorganização anunciada
quebre pela resiliência desse localismo. Mas quando estão em causa questões de
cemitérios e de decisões estritamente individuais que se projetam no mais íntimo
das populações há que estar precavido. É que, apesar de todas as amenidades
infraestruturais que a dispersão do investimento proporcionou por muitas
freguesias, os níveis de instrução básica permaneceram substancialmente similares.
Mas a questão fundamental
parece estar no peso que os representantes de juntas de freguesia exercem nos
equilíbrios políticos locais das assembleias municipais. A mistura é explosiva.
Com uma Troika aparentemente insensível e sem qualquer visão de território para
Portugal (ninguém de facto a confrontou com uma visão territorial consistente),
a interrogação está em saber se haverá intuição política suficiente para
contornar as mencionadas resistências. Um teste para Relvas.
Sem comentários:
Enviar um comentário