terça-feira, 10 de abril de 2012

FREGUESIAS E LOCALISMO


Ainda às voltas com a conclusão do paper para a conferência internacional de Lisboa “New Challenges for Local Governance”, tenho vindo a debruçar-me sobre a designada, embora ainda não concretizada, reorganização da administração local mais ou menos imposta pelo acordo do resgate financeiro.
A decisão do governo de não mexer no mapa municipal tem de ser compreendida no quadro das características do poder local em Portugal. Num país altamente centralizado, o poder dos municípios em influenciar a distribuição dos recursos públicos pelo território supera bastante o peso que lhe cabe na despesa pública. As fortes cumplicidades existentes entre os executivos municipais e os aparelhos partidários locais, combinadas com o poder “sindical” da Associação Nacional liderada por Fernando Ruas, explicam o juízo de conveniência feito pela atual maioria política. A questão que permanece em aberto é a de saber se este cálculo pode sair furado com a opção de remeter para as freguesias o incómodo de mexer para Troika ver.
No passado sábado, a crónica de Vasco Pulido Valente no Público é particularmente contundente a propósito desse cálculo político. A invocação da obra de Camilo serve para transpor para o presente o que VPV designa de “a selva de Camilo”. A expressão usada, brilhante, é de patriotismo local. Entendo-a como sendo a caracterização de um dos últimos espaços de localismo em Portugal. As analogias históricas nem sempre nos conduzem a boas interpretações. Não é seguro que a reorganização anunciada quebre pela resiliência desse localismo. Mas quando estão em causa questões de cemitérios e de decisões estritamente individuais que se projetam no mais íntimo das populações há que estar precavido. É que, apesar de todas as amenidades infraestruturais que a dispersão do investimento proporcionou por muitas freguesias, os níveis de instrução básica permaneceram substancialmente similares.
Mas a questão fundamental parece estar no peso que os representantes de juntas de freguesia exercem nos equilíbrios políticos locais das assembleias municipais. A mistura é explosiva. Com uma Troika aparentemente insensível e sem qualquer visão de território para Portugal (ninguém de facto a confrontou com uma visão territorial consistente), a interrogação está em saber se haverá intuição política suficiente para contornar as mencionadas resistências. Um teste para Relvas.

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