quarta-feira, 25 de abril de 2012

AFIRMA CADILHE



O Dr. Miguel Cadilhe continua a marcar de quando em vez a atualidade informativa, sobretudo porque o faz de modo bastante pensado e cirúrgico, pesando palavras, resistindo por isso à vulgarização da notícia e da entrevista. E também porque raramente perde a oportunidade de marcar a coerência de testemunhos e de experiência ao longo do tempo.
A entrevista de 23 de Abril ao Jornal i (Isabel Cristina Costa) vai nesse sentido e, como sempre, suscita ampla e merecida discussão.
Vou passar por cima da rábula da conversa com o neto de 11 anos pois é de tom demasiado paternalista para meu gosto e não é por questões formais que a entrevista é relevante.
Miguel Cadilhe insiste sobretudo nos fatores internos de má gestão e erradas opções de afetação de recursos públicos (particularmente do governo Sócrates), direi eu que não apenas criticáveis por si só, mas sobretudo porque induziram tendências similares de afetação de recursos privados (largamente por via do sistema bancário e dos padrões de rendibilidade que potenciaram). É correto assinalar que foi um dos primeiros a assinalar a futura incapacidade de sustentar o incremento da despesa corrente e o livro cuja capa é acima reproduzido é disso evidência.
Talvez que, numa próxima reflexão sobre o tema, Miguel Cadilhe reflita sobre a interação entre esses erros internos (que não discuto, pois a meu ver são de facto indiscutíveis) e o impacto da crise internacional de 2008/09 na economia portuguesa, pois parece-me que esse é um filão de análise ainda não plenamente aproveitado.
Três outros tópicos suscitam comentário.
No caso do BPN, os não direi ‘ódios’ mas ‘alvos’ de estimação (Sócrates, Teixeira dos Santos e Constâncio, este último de todos o mais premiado com o upa, upa para o BCE) são como se previa objeto de contundente apreciação. A hipótese do risco sistémico da falência do BPN constituirá no futuro próximo uma matéria de forte discussão no âmbito do inquérito parlamentar já iniciado. Receio que, com a conflitualidade que está no ar, o tema se transforme num intrigante tema de investigação para a nossa história financeira mais recente. A inexistência de contrafactual para uma situação deste tipo dificultará sempre o juízo de valor sobre a invocação do risco sistémico por parte do governo. A alternativa de intervenção então defendida por Cadilhe também não dispõe de contrafactual. Poderíamos avaliá-la no âmbito de um painel de peritos. Também não estou seguro que a referida solução alternativa passasse esse crivo.
O outro tema é mais controverso e tem que ver com a entrada para a zona euro da economia portuguesa. Aqui Cadilhe é mais perentório: “Não deveríamos ter entrado para o euro, hoje não devemos sair”.
Muito sinceramente não associava Miguel Cadilhe aos que na altura certa torceram o nariz à entrada para o euro. Num flash back rápido de memória quase instantânea diria que, por exemplo, João Ferreira do Amaral sempre teve uma posição mais manifestamente contra essa entrada. Mas admito que a memória me falhe. Miguel Cadilhe invoca nesse sentido um artigo “Escudo precoce” do início dos anos 90 para dar conta do seu pronunciamento de então: ”Chamaram-me eurocético e outros mimos que me colocavam a nadar contra-a-corrente”. Cadilhe fala de “desproporção e inadequação entre a moeda única e a nossa estrutura produtiva”, que interpreto sobretudo como o resultado de uma paridade inicial desproporcionada face ao nosso nível de desenvolvimento de então e face às mudanças estruturais anunciadas para aguentar essa paridade em clima de forte ajustamento à globalização. Mas também aqui a situação merece uma reflexão de contexto. Com a Espanha em trajetória de integração da zona euro, que cenarização é possível dos efeitos que resultariam de um espaço ibérico (o nosso mercado interno) com dois regimes cambiais?
Finalmente, compreende-se a mágoa de Cadilhe quanto à transição da sua API para o modelo AICEP. É também um momento de história económica recente que exige uma profunda investigação de contexto. Mas o que já me causa alguma perplexidade é a ausência de espírito crítico quanto ao impasse atual da diplomacia económica, onde ainda não consegui perceber nem o modelo de afirmação e interlocução externa, nem sequer o modelo de governance, apesar do iluminado Braga de Macedo.

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