O Dr. Miguel
Cadilhe continua a marcar de quando em vez a atualidade informativa, sobretudo
porque o faz de modo bastante pensado e cirúrgico, pesando palavras, resistindo
por isso à vulgarização da notícia e da entrevista. E também porque raramente
perde a oportunidade de marcar a coerência de testemunhos e de experiência ao
longo do tempo.
A entrevista de 23 de Abril ao Jornal i (Isabel Cristina Costa) vai nesse sentido e, como sempre, suscita
ampla e merecida discussão.
Vou passar por
cima da rábula da conversa com o neto de 11 anos pois é de tom demasiado
paternalista para meu gosto e não é por questões formais que a entrevista é
relevante.
Miguel Cadilhe insiste
sobretudo nos fatores internos de má gestão e erradas opções de afetação de
recursos públicos (particularmente do governo Sócrates), direi eu que não apenas criticáveis
por si só, mas sobretudo porque induziram tendências similares de afetação de
recursos privados (largamente por via do sistema bancário e dos padrões de
rendibilidade que potenciaram). É correto assinalar que foi um dos primeiros a
assinalar a futura incapacidade de sustentar o incremento da despesa corrente e
o livro cuja capa é acima reproduzido é disso evidência.
Talvez que, numa
próxima reflexão sobre o tema, Miguel Cadilhe reflita sobre a interação entre
esses erros internos (que não discuto, pois a meu ver são de facto indiscutíveis)
e o impacto da crise internacional de 2008/09 na economia portuguesa, pois
parece-me que esse é um filão de análise ainda não plenamente aproveitado.
Três outros tópicos
suscitam comentário.
No caso do BPN, os
não direi ‘ódios’ mas ‘alvos’ de estimação (Sócrates, Teixeira dos Santos e
Constâncio, este último de todos o mais premiado com o upa, upa para o BCE) são
como se previa objeto de contundente apreciação. A hipótese do risco sistémico
da falência do BPN constituirá no futuro próximo uma matéria de forte discussão
no âmbito do inquérito parlamentar já iniciado. Receio que, com a
conflitualidade que está no ar, o tema se transforme num intrigante tema de
investigação para a nossa história financeira mais recente. A inexistência de
contrafactual para uma situação deste tipo dificultará sempre o juízo de valor
sobre a invocação do risco sistémico por parte do governo. A alternativa de intervenção
então defendida por Cadilhe também não dispõe de contrafactual. Poderíamos
avaliá-la no âmbito de um painel de peritos. Também não estou seguro que a referida
solução alternativa passasse esse crivo.
O outro tema é
mais controverso e tem que ver com a entrada para a zona euro da economia
portuguesa. Aqui Cadilhe é mais perentório: “Não deveríamos ter entrado para o
euro, hoje não devemos sair”.
Muito sinceramente
não associava Miguel Cadilhe aos que na altura certa torceram o nariz à entrada
para o euro. Num flash back rápido de
memória quase instantânea diria que, por exemplo, João Ferreira do Amaral
sempre teve uma posição mais manifestamente contra essa entrada. Mas admito que
a memória me falhe. Miguel Cadilhe invoca nesse sentido um artigo “Escudo
precoce” do início dos anos 90 para dar conta do seu pronunciamento de então: ”Chamaram-me
eurocético e outros mimos que me colocavam a nadar contra-a-corrente”. Cadilhe
fala de “desproporção e inadequação entre a moeda única e a nossa estrutura
produtiva”, que interpreto sobretudo como o resultado de uma paridade inicial
desproporcionada face ao nosso nível de desenvolvimento de então e face às
mudanças estruturais anunciadas para aguentar essa paridade em clima de forte
ajustamento à globalização. Mas também aqui a situação merece uma reflexão de
contexto. Com a Espanha em trajetória de integração da zona euro, que cenarização
é possível dos efeitos que resultariam de um espaço ibérico (o nosso mercado
interno) com dois regimes cambiais?
Finalmente,
compreende-se a mágoa de Cadilhe quanto à transição da sua API para o modelo AICEP.
É também um momento de história económica recente que exige uma profunda
investigação de contexto. Mas o que já me causa alguma perplexidade é a ausência
de espírito crítico quanto ao impasse atual da diplomacia económica, onde ainda
não consegui perceber nem o modelo de afirmação e interlocução externa, nem
sequer o modelo de governance, apesar do iluminado Braga de Macedo.
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