domingo, 8 de abril de 2012

À DESGARRADA

Nas suas “Cinco Chaves” do suplemento “Dinheiro Vivo” do JN, André Macedo escrevia ontem: “O primeiro-ministro viveu esta semana o seu momento Sócrates, aquele em que pôs em risco o vínculo de confiança com os eleitores. Como a situação é excecional, a tolerância também é excecional; mas o falhanço está registado.” Assino por baixo…

O melhor comprovativo, para quem não foi tendo a oportunidade de seguir os acontecimentos dia a dia, poderá vir de uma simples passagem pelos jornais do fim de semana. Começando por Vasco Pulido Valente, que escreve no “Público” (“Transviados”): “A estrambólica ideia de Passos Coelho saiu com certeza diretamente das ruminações de Álvaro para o anúncio de Passos Coelho e, de caminho, deixou o país profundamente estupefacto. Uma pessoa normal pergunta: como pôde esta trapalhada chegar a público? Não há na Presidência do Conselho (ou no Ministério da Economia) gente com o olho nos disparates que um fantasista à solta decide fornecer ao primeiro-ministro?”

Vejamos agora um “digest”, com uma dúzia de entradas, saído de um rápido folhear do “Expresso”:
· A abrir, “Contas do Governo só preveem 20% dos subsídios em 2015”, completado dentro por títulos como “O Natal é quando Passos quiser”, “As Contradições do Governo” ou “Um ‘lapso’ ou ‘o pior dia do Governo’?”
· Na sua habitual coluna, Ricardo Costa fala de “Um lapso colossal” e refere: “A blindagem de Vitor Gaspar sofreu um rombo. A sua palavra não vai valer o mesmo depois de ter isso duas vezes ao Parlamento dizer duas coisas diferentes e de acabar obrigado a assumir uma terceira.”
· Mais adiante, e a propósito do relatório da terceira revisão do “programa de assistência financeira”, “FMI alerta: Portugal pode não voltar aos mercados em 2013”.
· Depois, Miguel Sousa Tavares (“À Espera do Milagre”) a sublinhar: “As contas foram mal feitas, os dossiês mal estudados, a estratégia mal escolhida. Mas o Governo vai prosseguir no mesmo caminho, porque o que eles nunca reconhecerão é que as suas ideias estão erradas: só funcionam em laboratórios onde se cozinham os MBA”.
· Virada a página, João Garcia (“Portugal com ‘S’ pequeno”): “Não há outras soluções ou falta imaginação e vontade política? Uma coisa é certa: quando terminarem as reformas deste Governo, solidariedade e social, em Portugal, vão escrever-se com um ‘S’ muito pequeno. Definitivamente, o país vai ficar muito diferente. È dificilmente recuperará.”
· Mais à frente, e com relação à questão de um desejável corte nos impostos sobre os combustíveis, “Passos e Portas tinham solução para o preço da gasolina. Jão não têm.” Com duas citações dos ditos na oposição: “Não vale a pena o Estado dizer ‘não podemos fazer nada, estão a pagar combustíveis mais caros porque o petróleo está mais caro’. Isso só é parte da verdade.” (Passos, 2008) e “O Governo está atento? Não! Está atrasado. Tem poderes legais para ir à AdC. Já devia ter ido!”
· No “Editorial” pode ler-se: “O Governo está a contribuir para a confusão sobre a reposição dos subsídios, o que é um erro político lamentável”.
· Martim Avillez Figueiredo (“Subsídio Livre”) acrescenta: “Passos Coelho não pode aproveitar momentos de confusão da sua equipa para proclamar doutrina. Não se apagam fogos políticos com acendalhas ideológicas.”
· A encerrar o 1º Caderno, “Chumbo do Constitucional foi arrasador. CDS não quer insistir. PSD avalia, PS recupera alternativa.”
· Já no Caderno de Economia, Passos surge como um dos “Baixos”, justificado pela confusão que se instaçou na quarta-feira e pela nota final de que “se for mesmo até 2014, significa que as medidas de austeridade foram agravadas – e a forma como isso foi comunicado é, no mínimo, desastrosa.”
· Logo mais, “O mistério do desemprego que não para de subir” e um dado complementar: “Bruxelas revelou surpresa com a subida do desemprego. Das duas uma: ou fez mal as contas ou o desemprego está descontrolado.”
· Em seguida, Nicolau Santos com “26 humilhantes minutos”, glosando aqueles que “são seguramente os 26 minutos mais humilhantes da história da CGD” e o facto de que “o seu conselho de administração foi tratado como o simples amanuense de uma repartição pública pelo acionista Estado que, através do Governo (ministro das Finanças e António Borges, consultor do Executivo para as privatizações), lhe impôs a decisão de vender e a que preço, sem querer saber a sua opinião. Ora, há dois anos, a CGD disse que não vendia por €6,5; agora vende por €5,5.”

Os exemplos poderiam continuar, como com as capas mais populistas do “Correio da Manhã” (de “Passos tira três anos de férias e Natal” a “RTP tem 31 salários acima de Cavaco” e a “Passos tira 8500€ a cada funcionário público”) ou voltando à entrevista de Rio no “Olhos nos Olhos” (“às vezes temos de ultrapassar algumas questões técnicas em nome do equilíbrio social, em nome da justiça, em nome de o País agarrar aquilo que efetivamente é preciso”). Ou ainda, numa focagem mais prospetiva, com o aviso de Medina Carreira (“Jornal i”): “O Estado Social colapsa daqui a seis anos”.

E já hoje, dia de Páscoa, a primeira página do “Diário de Notícias” coloca “a cereja em cima do bolo” ao chamar à colação um primeiro-ministro em pose consentânea (foto acima) e acerca do seu “eu não sei se Portugal regressará aos mercados em setembro de 2013 ou mais tarde” (entrevista ao diário alemão “Die Welt”). O “heading”, esse, invoca uma das frases com que Passos quis construir a sua imagem de "estadista" ao apontar sarcasticamente: “Passos Coelho admite mais tempo e mais dinheiro”.

Dadas as dificuldades que o PS está a viver, e não me constando que haja qualquer indício de atividades conspirativas na comunicação social (e no “Expresso” em particular), sou levado a concluir, quase por simples exclusão de partes, que o que se nos apresenta é algo que releva apenas de um foro mesclando o desnorte e o mau jeito com a falta de sensibilidade social e, a espaços, alguma má-fé. Ao que acresce a arrogância ostentatória de quem continua a insistir em se mostrar “tão cheio de si”…

A vida não está fácil, pois; só que “quem se lixa é o mexilhão” (como ontem tão bem ilustrava, com referência a um contexto que na essência última não difere, Jeff Danziger em
http://www.nytimes.com)!

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