terça-feira, 3 de abril de 2012

DESVENTURAS SOCIALISTAS



Apesar das diatribes do clima, as aleluias estão no seu fulgor máximo, a urze de cor indescritível começa a emergir nas encostas e o verde irrepetível dos carvalhos acompanha uns dias em Seixas, Caminha, num ritual de reencontro com ciclos de trabalho-lazer que vai dando sentido a esta vida.
Numa semana que convidaria à distensão e à acalmia das tendências, o PS regressa belicoso às suas guerras de sempre, pequenas guerras entenda-se, sem que se vislumbre nenhum combate efetivo de ideias e um rumo possível de programa político alternativo, que não significaria obviamente a anulação de tendências de pensamento e sobretudo de memórias. O problema parece ser de facto este: são mais memórias e idiossincrasias que não se querem beliscar do que propriamente combate de ideias viradas para uma alternativa de governação. E se assim for, o PS está feito e com isso a alternância democrática também. Se é de memórias e idiossincrasias que se trata então levará algum tempo a dissipá-las.
Parece que não seria necessário um génio da intuição política para compreender que um grupo parlamentar constituído por uma fração significativa de personalidades conotadas ou mesmo identificadas com a governação Sócrates representaria sempre um constrangimento muito forte a qualquer tentativa de libertação dessa herança, pese embora a presença do memorando da Troika. Mas mais do que personalidades conotadas ou simplesmente conotadas com a governação de Sócrates, temos intérpretes e executores dessa governação. Ora neste contexto ou tais personalidades vendem a alma, retratam-se na praça pública como nos velhos tempos ou então será sempre difícil afastá-los de uma defesa da “honra política”, afirmando a bondade das suas propostas levadas à prática. E o que é paradoxal é que há casos em que tal defesa se justificaria, pois ao contrário de uma visão simplista a governação anterior teve domínios que mereceriam aprofundamento e não o seu contrário. Mas ter no parlamento os fantasmas de algumas parcerias público-privadas, como por exemplo as relacionadas com as infraestruturas rodoviárias, não lembra ao diabo. A tendência natural é discutir e justificar o passado e não discutir uma alternativa de governação.
E o que espanta é que há condições para discutir uma alternativa. Ao propósito de fazer passar sem escrutínio político alargado uma modelo de Estado mínimo há vários temas que proporcionam visões alternativas possíveis de futuro: a legislação laboral, o que fazer das parcerias público-privadas, a configuração do sistema público de saúde, o modelo económico para a competitividade externa e a sua articulação com os investimentos em ciência e tecnologia já realizados e de efeitos a longo prazo, a abordagem ao desemprego estrutural, só para mencionar os mais evidentes. Em torno destas questões, é possível simultaneamente discutir abertamente o passado recente e construir uma visão de futuro e de esperança para uma larga franja da população portuguesa. Nesse debate não há lugar para memórias ou simples idiossincrasias. Até porque as personalidades que se refugiam na sua invocação não terão certamente nada a dizer sobre tais questões. E, pelo menos, uma coisa se consegue: menos ruído no debate.

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