O Economist’s View de Mark Thoma é uma bênção, um verdadeiro bem
público. Através da sua consulta e leitura diárias podemos mergulhar na riqueza
vertiginosa do debate das ideias económicas nos EUA, envolvendo a academia, os
que nela teimam viver abrigados da tentação de se pronunciar sobre a dura
realidade das coisas, os que nela vivem mas ousam intervir na opinião pública,
o jornalismo especializado, gente da administração e palradores
ideológico-doutrinários encartados e de serviço.
Aos que torcem o nariz à eventual leveza dos argumentos
que atravessam a blogosfera económica cumpre dizer que a regra mais
generalizada é a produção blogueira ter sempre como referencial produção
científica de referência, o que significa que a vertigem do debate é hoje
incompatível com a velocidade (lenta) a que se publica nas revistas da
especialidade.
Esta semana trouxe-nos material que baste, dada a sua
riqueza e necessidade de tempo para o percorrer e dele retirar matéria coerente
de reflexão para as nossas próprias preocupações.
Ben Bernanke, o último Governador do FED – USA que
antecedeu a sensata e paciente Janet Yellen regressou às lides universitárias
(Princeton University) como Distinguished
Fellow in Residence no Brookings e
abre o seu próprio blogue neste espaço institucional e com uma entrada de leão:
um post sobre a interrogação que a
todos nos assiste, “porque é que as taxas de juro estão tão baixas” e outro post sobre o outro tema de momento nas
economias avançadas de mercado, a estagnação secular. Retomando um debate
iniciado na conferência de novembro de 2014 do FMI em Washington, na qual
Lawrence Summers avançou pela primeira vez com o conceito, o segundo post de
Bernanke suscita de Summers a continuidade desse debate e com esta entrada o
tema fica substancialmente enriquecido e sobe de nível.
A posição de Bernanke é a de se mostrar cético quanto à
possibilidade da política fiscal (sobretudo de investimentos em infraestruturas
produtivas de elevado retorno) se substituir indefinidamente à impossibilidade
da política monetária ser eficaz com taxas de juro reais negativas. O argumento
de Bernanke prende-se com o já elevado nível de dívida de uma economia como a dos
EUA. Summers oferece réplica a este argumento com a possibilidade do efeito retorno dos
investimentos públicos realizados com taxas de juro nulas ser suficientemente
elevado para gerar aumentos de produto que permitam descidas do peso da dívida
no PIB. E, neste caso, Summers fala de cátedra, pois o seu modelo de 2012 com
Bradford DeLong mostra precisamente isso e por isso considero que se trata da
peça mais consistente produzida no pós-crise de 2007-2008.
O segundo contra-argumento de Bernanke prende-se com a
necessidade de em contexto de globalização o conceito de estagnação secular
dever ser equacionado à escala global. Summers entende a estagnação secular
como o resultado de um excesso crónico de poupança desejada em relação ao
investimento e nesse contexto esse excesso de poupança tem de ser visto à
escala global, pressupondo que o mercado de capitais se mantém global com a sua
liberdade de circulação. Neste momento, não há evidências seguras sobre a existência
de um excesso de poupança desejada à escala mundial. O que Summers sugere é que
essa hipótese pode observar-se em função do comportamento anomalamente elevado
de poupança de algumas economias, sobretudo asiáticas e, se tal acontecer, para
promover um amplo programa de investimento público e privado a nível mundial
será necessário um complexo programa de coordenação de investimentos para o
qual não existe modelo de governação pronto a ser implementado. Numa situação
dessas, seria trágico fazer concentrar os efeitos de ajustamento nos países deficitários.
E o que Summers chama a atenção é para a ineficácia global de resolução do
problema à custa de uma guerra de desvalorizações cambiais para suscitar a
procura.
A outro nível, o mais recente discurso público de Janet Yellen (Normalizing Monetary Policy: Prospects and Perspectives) suscita amplo e generalizado debate sobre as
condições de exercício da política americana nos EUA, agora com a pressão da
valorização do dólar face ao euro (mais por força da depreciação deste) a
inspirar interrogações sobre o seu real impacto na recuperação da economia
americana e a recomendar todas as cautelas à paciente Yellen e ao talvez menos
FOMC em matéria de subidas futuras da taxa de referência do FED. O Vice-Presidente do FED Stanley Fisher junta-se à reflexão e, perante a legítima estranheza de Bradford DeLong, Martin Feldstein proclama a necessidade de subida rápida dessas taxas de referência. A peça escrita
por Yellen constitui um material pedagógico inestimável, tamanha é a cautela
com que a posição ainda dominante no Federal
Open Market Committee (FOMC) ajuíza da eventualidade das taxas de referência
iniciarem a sua progressão em função de um mais provável aproximação da meta de
2% para a inflação. A atenção milimétrica com que Yellen observa o
comportamento do mercado de trabalho e sobretudo as evidências de que continuam
a observar-se no mercado de trabalho americano recursos não aproveitados apesar
da descida da taxa de desemprego mostram bem a importância de um mandato dual
(inflação e desemprego) como o do FED e o comportamento não canónico do mercado
de trabalho. É também reconfortante que Yellen esteja consciente dos riscos de
uma trajetória similar à dos bancos do Japão e da Suécia que alinharam com um
aperto precoce das respetivas economias, precipitando uma paragem precoce da dinâmica
económica. Como já aqui referi repetidas vezes é retribuidor observar uma economista
de eleição a comandar com rigor e paciência, atenta às evidências e resistindo
aos falcões ideológicos, os destinos do mais importante banco central a nível
mundial. É também uma oportunidade de nos reencontrarmos com a profissão.
Finalmente, e o seu desenvolvimento terá de ficar para um
outro post, o debate sobre a desigualdade está instalado e continua rico de
cambiantes. Um trio de economistas, em que de novo surge Lawrence Summers,
conclui para um projeto da Fundação The Hamilton Project que as melhorias da
educação constituem um fator relevante de redução de desigualdades mas têm
limites. Há também que atuar sobre os 1% mais ricos. O debate generaliza-se e
até a circunspecta Scientific American dedica um artigo ao tema, mostrando que
ele será o tema político do século XXI.
Uma grande saudação ao trabalho insano de Mark Thoma no
Economist’s View.
Sem comentários:
Enviar um comentário