domingo, 26 de abril de 2015

A LADAINHA DA COLIGAÇÃO

(Enric Vives-Rubio, Público)


Com pompa e circunstância e pose de Estado, Passos e Portas anunciaram a inevitável ida a votos em coligação, prolongando para o ato eleitoral o cheio de percalços percurso que fizeram desde a sua chegada ao poder, suportando-se reciprocamente. A escolha do 25 de abril para o fazer não é inocente e mostra uma maioria na defensiva, pretendendo recuperar o rumo dos acontecimentos que esta semana o PS inverteu, lançando para a mesa um programa macroeconómico à luz do qual se pensa que as medidas eleitorais e o programa de governo proposto pelo PS serão enquadrados. O momento só valeu para verificar se surgia algo de novo no conjunto de ideias que serão repercutidas até à exaustão até ao período eleitoral.

Para lá da tentativa de colagem do PS de Costa ao PS que precipitou o pedido de resgate (que os jovens centristas e ppd’s já crismaram com a provocação da pergunta “onde é que estavas quando o país foi lançado na bancarrota?”, foi-se percebendo que emerge a interpelação do povo português quanto à garantia de estabilidade como uma das principais mensagens a dirigir ao eleitorado. Trocado por miúdos, agora que estaríamos muito perto de lá chegar para quê deitar fora tanto sacrifício para chegar onde se chegou trocando a maioria por quem dá reduzida mostra de o poder fazer em condições de estabilidade. Pelas palavras de Portas, a maioria apresenta-se misteriosamente como mais próxima da economia real (terei ouvido bem? Foi de facto isto que foi dito!), o que sugere que segundo a mesma maioria uma possível governação do PS estará mais longe dessa mesma economia real. O argumento de estarmos perto de lá chegar, ao bom porto da sustentabilidade da economia portuguesa, assenta numa completa falsidade que é necessário desmontar. O que o ajustamento brutal da economia portuguesa conseguiu foi tão só recuperar condições de financiamento externo, mas a maioria não consegue mostrar uma só evidência que a economia portuguesa tenha realizado a transformação estrutural necessária para uma retoma sustentada. Tal como se verificou em outras economias europeias, a retoma observada, para além de ser normal num ciclo económico em a que uma recessão sucede sempre um início de retoma, reflete sobretudo o amortecimento do choque de consolidação fiscal. Em Portugal, sobretudo por força das determinações do Tribunal Constitucional que limitou a dose da austeridade, noutros países porque o corte da despesa pública foi sendo desacelerado e isso coincidiu com a injeção de liquidez do Banco Central Europeu.
Não há nenhuma evidência de que globalmente a retoma do crescimento se faça em melhores condições globais de dependência externa, sobretudo porque sem que o investimento privado retome níveis do passado não podemos antecipar por parte das empresas a transformação esperada. Tudo se jogará nos primeiros anos de aplicação dos fundos estruturais dirigidos às empresas e no modo como os apoios à inovação e à internacionalização alavancarem na economia efeitos de demonstração extensivos às empresas não apoiadas.

Por isso o argumento de que estamos quase lá e que é perigoso deitar a perder esse esforço é pura ladainha e cantilena para adormecer eleitor e desenterrar no eleitorado o medo da mudança, apelando à inércia e ao comodismo. Porque tenho a intuição de que a maioria embora se sinta presumidamente próxima da economia real, está longe das pessoas e estará a menosprezar o sentido de justiça que atravessa a população portuguesa.

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