quarta-feira, 8 de abril de 2015

CHRISTINE DESCOBRE (?) A PROCURA GLOBAL




Christine Lagarde é daquelas personalidades que está condenada à controvérsia e não será por isso que a considero menos do ponto de vista dos radares deste blogue. Neste caso e no tempo histórico que vivemos, Christine está condenada nas suas tomadas de posição públicas a ser porta-voz e a expressar a bipolaridade de posições a que uma instituição como o FMI é conduzida à medida que confronta as suas posições institucionais com os resultados da investigação empírica que o seu bem dotado staff técnico vai acumulando. Porque uma de duas: ou se desvaloriza a riqueza da investigação que a própria instituição vai produzindo ou então é necessário adaptar o discurso aos referidos resultados e assim contrariar os papagaios bem-falantes que entronizavam as posições da instituição para vender internamente as suas próprias agendas.

Recordemos alguns desses papagaios malévolos e algumas dessas agendas. Uma modinha muito em voga enquanto duraram os programas de ajustamento foi a de que a criação de condições de lucratividade interna e externa à custa do rebaixamento dos custos da mão-de-obra e da descida das taxas de juro iria fazer recuperar a confiança dos investidores e assim recuperar o motor do investimento privado. Recuperado esse motor, já não se fariam sentir os impactos da anulação do investimento público, domesticado das suas megalomanias e adaptado às reais possibilidades dos orçamentos públicos. A modinha tornou-se dissonante, pois os custos unitários em trabalho cederam, o investimento público finou-se e apesar disso o investimento privado não disparou. Vale a pena mergulhar um pouco nas agruras em que Coelho e Portas se meteram com a modinha da anulação do investimento público. A maioria chegou ao poder a barafustar com a megalomania do investimento público da era Socrática, aderiu ao discurso do excesso esbanjador das autoestradas, dos equipamentos a torto e a direito, do edifício em vez do imaterial. Resultado: Bruxelas esteve atenta e começou as negociações do Portugal 2020 ao ataque expressando às delegações portuguesas que infraestruturas já eram. E aí o distraído Maduro (não o da Venezuela mas o nosso) percebeu que tinha de recomeçar a negociação ao contrário, mostrando que afinal algumas infraestruturas ainda eram necessárias, que afinal nem tudo foi esbanjamento e até o inefável ministro Crato confessou que se tivesse recursos a sua prioridade seria modernizar escolas (será que ouvi bem senhor Ministro?). Efeito de tudo isto: Bruxelas impôs mapeamento para todo o projeto em infraestruturas a financiar pelos FEEI e os programas operacionais não poderão lançar avisos sem que Bruxelas aprove antecipadamente a fundamentação para os projetos a candidatar. Mas Bruxelas compreensivelmente não pode ser ela a aprovar projetos, pois seria contra os regulamentos. E na prática ainda ninguém sabe de que é que se está a falar quando se invoca o mapeamento prévio, numa demonstração de absoluta falta de confiança na capacidade de decisão do país. Brilhante, cara maioria e tudo reflexo de uma desconchavada e canhestra crítica do esforço infraestrutural passado (largamente criticável na sequência de posições defendidas neste blogue), motivada apenas pela modinha de que o investimento público poderia finar-se, pois o investimento privado retomaria o seu estatuto de motor do crescimento. Uma palavra também para a desajeitada posição que o PS tem assumido em matéria de fundos estruturais, pois tinha aqui matéria que bastava para brilhar e encostar Maduro e o governo à parede e não embrenhar-se em questiúnculas de taxas de execução das quais não tirou nenhum proveito e rapidamente as deixou cair.

Quando o Plano Juncker começou a tomar forma, Coelho e Portas começaram a engolir em seco e terão percebido que meteram a pata (e que pata!) na poça com a sua tese do finamento do investimento público (oh, oh why can’t we have a better political class?)

 (Vejam-se as sucessivas falhas de previsão)
Pois, o FMI, na sequência de dois excelentes capítulos analíticos do World Economic Outlook de 2015 (ver aqui versões em PDF), veio relembrar uma evidência que outros economistas não ofuscados pela chamada economia da oferta já tinham assinalado com clareza: na atual recuperação pós crise de 2007-2008, o investimento privado em maquinaria, equipamento e instalações teve uma contração bem mais significativa do que a experimentada noutros períodos recessivos. Ora esta evidência era suficiente para perceber que aqui havia gato e não muito difícil de descobrir. O investimento privado recuou mais pois não só o esforço de desendividamento empresarial foi mais imperioso do que noutras recessões, como o ambiente global de negócios estava ferido de incerteza e indeterminação, ainda por cima trágica e estupidamente agravado pelas doses excessivas de austeridade decretadas, sem atender ao momento das economias avançadas e emergentes.

Madame Lagarde escudada por tais capítulos analíticos vem agora dizer o óbvio, que para deslindar este lio, por algum lado terá de ser estimulado o ambiente global de negócios para que o investimento privado possa de facto recuperar. Obviamente pela vertente do investimento público, não como um elemento de criação de falsa e artificial dinâmica económica, mas como processo seletivo de identificação de investimentos públicos (em infraestruturas claro está) geradores de retorno suficiente a prazo para pagar o eventual endividamento que venham a exigir (argumento que o já célebre modelo de Summers e DeLong em 2012 mostrou com clareza e elegância de demonstração matemática). O que mostra que é uma completa falácia admitir que só a economia matematizada tem reconhecimento. O modelo de Summers e DeLong tem uma elegância formal a toda a prova e não foi por isso influenciador de uma viragem da política macroeconómica.

Não sei se Madame Lagarde descobriu ou simplesmente redescobriu que “global demand matters”. Vestida (com gosto e classe, diga-se) nas modernas boutiques de Saint Honoré em Paris, dos costureiros de Milão ou da Nova Iorque mais sofisticada, tenho para mim que Madame Lagarde pronunciará agora estas “verdades”inspiradas pela investigação de suporte ao World Economic Outlook com a mesma aparente convicção com que outrora (antes da descoberta dos malfadados multiplicadores ao contrário) defendia as desvalorizações internas dos programas de ajustamento.

Por tudo isto me fascinam (não a Madame Lagarde) as condições que levam o pensamento económico a transformar-se em maus paradigmas de política macroeconómica ou a ser incapaz de os derrubar.

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