(Financial Times)
A comunicação social em Portugal tem dedicado muito pouca
atenção à corrida eleitoral no Reino Unido, delirante que está com a
proliferação de candidatos presidenciais, nervosos e pouco alinhados. Poderá
dizer-se que as Ilhas fazem cada vez mais jus à sua designação e que será
difícil extrapolar o que seja a partir das incidências do debate eleitoral já
em curso. Mas mesmo tendo em conta toda essa problemática do very british, diria que há matéria bem
interessante para lhe dedicarmos mais atenção.
Em primeiro lugar, há relevante evidência que situa o
Reino Unido na União Europeia como um caso particular de política
macroeconómica, com moeda própria a não suscitar problemas de desconfiança por
parte dos mercados, condições de financiamento a taxas de juro anomalamente
baixas e mesmo assim com um processo de consolidação fiscal de grande aperto ainda
que completado por um processo de quantitative
easing assumido pelo Banco de Inglaterra. Em segundo lugar, porque essa
política de consolidação fiscal apertada vem acompanhada de um programa
ideológico do Partido Conservador apostado em fazer recuar significativamente o
Welfare State britânico e cavando na
sociedade britânica uma profunda desigualdade, que leva alguns economistas
britânicos a considerá-la um fator inibidor do crescimento económico. O Reino
Unido, conjuntamente com a Irlanda, foi uma das poucas economias da União
Europeia que viu os seus rendimentos medianos brutos e líquidos descer
acentuadamente entre 2004 e 2010, o que ilustra bem as consequências do
desmantelamento do welfare state
britânico por força de um programa ideológico combinado com a invocação da
consolidação fiscal a todo o preço. Em terceiro lugar, porque do ponto de vista
da movimentação das forças políticas, há que considerar um contexto em que um
partido anti-europeu UKIP faz a sua trajetória para excluir o Reino Unido da
União Europeia, se esfrangalha o Partido Liberal representado na coligação e
emerge também o partido regionalista da Escócia com um poderoso efeito de
representação futura, podendo mesmo condicionar a formação do novo governo
saído das eleições.
Há, assim matéria relevante que baste para ver em que
medida a sociedade britânica valida ou rejeita quer a política macroeconómica
de consolidação fiscal desproporcionada face à situação da economia, quer o desmantelamento
do sistema de intervenção social. Mas será também relevante avaliar de que modo
o comportamento das forças políticas é determinado pela ameaça isolacionista do
UKIP e de que modo também um partido regionalista como o Scottish National Party (SNP) pode ou não influenciar o resultado
eleitoral e da futura governação abrindo uma caixa de Pandora que poderia por
exemplo levar a própria Inglaterra a considerar ser do seu interesse ter também
autonomia fiscal. Neste contexto, o resultado eleitoral do Labour e a sua
posição face não só ao UKIP, mas também em relação ao SNP (de rejeição de um
acordo de governação a fazer fé na declaração mais recente de Ed Miliband) são
matérias muito relevantes para compreender em que medida a gestão desastrosa da
crise do Euro trará ou não inversões eleitorais significativas.
(Financial Times)
Em resumo, ainda que possamos encolher os ombros com a
empedernida insularidade do Reino Unido, o cenário de governação que resultará
do próximo ato eleitoral trará seguramente informação relevante para
compreender por antecipação o que pode ser a governação macroeconómica da União
Europeia no rescaldo da trágica gestão da crise do Euro.
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