sexta-feira, 17 de abril de 2015

UK VAI A VOTOS

(Financial Times)


A comunicação social em Portugal tem dedicado muito pouca atenção à corrida eleitoral no Reino Unido, delirante que está com a proliferação de candidatos presidenciais, nervosos e pouco alinhados. Poderá dizer-se que as Ilhas fazem cada vez mais jus à sua designação e que será difícil extrapolar o que seja a partir das incidências do debate eleitoral já em curso. Mas mesmo tendo em conta toda essa problemática do very british, diria que há matéria bem interessante para lhe dedicarmos mais atenção.

Em primeiro lugar, há relevante evidência que situa o Reino Unido na União Europeia como um caso particular de política macroeconómica, com moeda própria a não suscitar problemas de desconfiança por parte dos mercados, condições de financiamento a taxas de juro anomalamente baixas e mesmo assim com um processo de consolidação fiscal de grande aperto ainda que completado por um processo de quantitative easing assumido pelo Banco de Inglaterra. Em segundo lugar, porque essa política de consolidação fiscal apertada vem acompanhada de um programa ideológico do Partido Conservador apostado em fazer recuar significativamente o Welfare State britânico e cavando na sociedade britânica uma profunda desigualdade, que leva alguns economistas britânicos a considerá-la um fator inibidor do crescimento económico. O Reino Unido, conjuntamente com a Irlanda, foi uma das poucas economias da União Europeia que viu os seus rendimentos medianos brutos e líquidos descer acentuadamente entre 2004 e 2010, o que ilustra bem as consequências do desmantelamento do welfare state britânico por força de um programa ideológico combinado com a invocação da consolidação fiscal a todo o preço. Em terceiro lugar, porque do ponto de vista da movimentação das forças políticas, há que considerar um contexto em que um partido anti-europeu UKIP faz a sua trajetória para excluir o Reino Unido da União Europeia, se esfrangalha o Partido Liberal representado na coligação e emerge também o partido regionalista da Escócia com um poderoso efeito de representação futura, podendo mesmo condicionar a formação do novo governo saído das eleições.

Há, assim matéria relevante que baste para ver em que medida a sociedade britânica valida ou rejeita quer a política macroeconómica de consolidação fiscal desproporcionada face à situação da economia, quer o desmantelamento do sistema de intervenção social. Mas será também relevante avaliar de que modo o comportamento das forças políticas é determinado pela ameaça isolacionista do UKIP e de que modo também um partido regionalista como o Scottish National Party (SNP) pode ou não influenciar o resultado eleitoral e da futura governação abrindo uma caixa de Pandora que poderia por exemplo levar a própria Inglaterra a considerar ser do seu interesse ter também autonomia fiscal. Neste contexto, o resultado eleitoral do Labour e a sua posição face não só ao UKIP, mas também em relação ao SNP (de rejeição de um acordo de governação a fazer fé na declaração mais recente de Ed Miliband) são matérias muito relevantes para compreender em que medida a gestão desastrosa da crise do Euro trará ou não inversões eleitorais significativas.

(Financial Times)
Em resumo, ainda que possamos encolher os ombros com a empedernida insularidade do Reino Unido, o cenário de governação que resultará do próximo ato eleitoral trará seguramente informação relevante para compreender por antecipação o que pode ser a governação macroeconómica da União Europeia no rescaldo da trágica gestão da crise do Euro.

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