sexta-feira, 24 de abril de 2015

A QUADRATURA DO DEBATE



A edição de ontem do Quadratura do Círculo é das tais que fica seguramente para memória futura, neste modelo curioso de debate a três sempre com a presença implícita de António Costa, de cuja passagem pelo programa os atuais intervenientes parecem não ser capazes de se separar. E fica para memória futura porque o tema em discussão, o documento macroeconómico do grupo dos 12 economistas apresentado pelo PS, suscitou de António Lobo Xavier (ALX), Jorge Coelho (JC) e José Pacheco Pereira (JPP) uma sugestiva antecipação de algumas questões que considero cruciais para compreender as condições de exequibilidade de uma governação alternativa (dois em um) à que precipitou o pedido de resgate e à desgraçada e ideológica implementação do programa de ajustamento ditado por esse mesmo resgate.

As incidências do debate foram como quase sempre marcadas pela agressividade de argumentação de JPP, quando colocou preto no branco as questões da relação entre a economia e a política. Segundo JPP, Costa e o PS terão caído na armadilha de abordarem o quadro macroeconómico antes do pronunciamento político, ficando por isso manietados na elaboração de um programa político, pois cada iniciativa de política setorial a propor como rotura deparar-se-á com a camisa-de-forças do documento macroeconómico. JPP parte do princípio de que a representação identitária de uma governação alternativa com os portugueses que penam e sofrem, cá ou na diáspora forçada, será sempre conseguida, não com as eventuais virtudes e credibilidade de um quadro macroeconómico, mas com pronunciamentos políticos claros no contexto dos constrangimentos económicos que interessa obviamente explicitar. Ou seja, forçando o primado da política sobre a economia.

Não tenho qualquer dificuldade em identificar-me com esta ideia do primado da política sobre a economia. Mas, no contexto e face ao tipo de transformações que são solicitadas à economia portuguesa, ou seja, face a um constrangimento europeu sobre o qual, sozinhos, pesamos muito pouco (o que não significa que não possamos influenciar o rumo da política) e tendo em conta que estamos a desafiar inércias internas profundas, tenho muitas dúvidas sobre se a questão das relações entre a economia e a política podem continuar a ser interpretadas do mesmo modo como o fazíamos antes de 2007-2008. Assim, por um lado, duvido que os 12 economistas que trabalharam em torno do documento agora em discussão o tenham elaborado sem internalizarem as condições da sua concretização política, embora admitindo que a infeliz expressão do “exercício realizado” faça pressupor essa possibilidade. Por outro lado, o pronunciamento político que JPP exigia ao PS antes de apresentar o referencial macroeconómico (siga-o ou não nos próximos episódios) dificilmente pode ser equacionado não pensando nos constrangimentos económicos e comunitários.

Tudo isto admitindo que estamos na União Europeia e na zona euro imperfeitas e não solidárias quanto baste, que queremos nelas permanecer lutando ativamente para a minimização dessas imperfeições e falta de solidariedade, que não podemos ignorar a fragilidade de parte do nosso tecido empresarial, que não é um programa político que pode substituir-se ao necessário robustecimento de capacidade empresarial, mas que queremos governar em condições de estabilidade para potenciar as transformações necessárias.

Neste contexto, para retomar a crítica de JPP, em que é que poderá consistir a apresentação de um posicionamento que rompa sem tréguas ou delongas com o quadro que a atual maioria e uma certa Europa querem armadilhar e aprisionar o PS? Ou, perguntando de outro modo, que alternativas haverá entre uma abordagem (com possíveis variantes e afinamentos) do tipo da que o documento dos 12 nos propõe e uma alternativa do tipo SYRIZA, mais forjado no pronunciamento político e menos na consistência do quadro macroeconómico possível? Existirá esse espaço e é a nossa inventiva reprimida e já condicionada pelo “não há alternativas” que está a impedir a procura dessas alternativas?

É verdade que o pronunciamento político do SYRIZA chegou a ter cerca de 75% de representatividade identitária na opinião pública grega e isso mostrou que politicamente é sempre possível ousar. Mas também é verdade que esse pronunciamento político à medida que se confrontou com a necessidade de se acomodar a um quadro macroeconómico e negociar com gente que faz do dolo e do dictat as armas de negociação (imposição) tem vindo perigosamente a esboroar-se.

Face a estes argumentos, a apresentação do documento antes do pronunciamento político de Costa e do PS de todas as tendências não me parece ser uma falência irremediável. Sobretudo se Costa e o PS forem capazes de retomar a centralidade do debate político em torno do documento. Esse debate vai ser fundamental para se compreender que alianças possíveis no futuro quadro parlamentar é possível antecipar e em que contexto poderemos ter forças políticas à esquerda do PS (neófitas ou habitués do Parlamento) a viabilizar uma governação que não se afaste decisivamente dos termos do documento agora apresentado. Nesta matéria, ao contrário do que alguns jornalistas peregrinos têm insinuado, o documento agora em debate não precipita o PS nos braços de um acordo de bloco central com a atual maioria. Mas tenho para mim que outro galo cantaria se a social-democracia do PSD não estivesse enterrada na cartilha dos Marco Antónios, piu-piu Maçães e outros jovens ideólogos atualmente no poder. A minha grande dúvida é se essa corrente social-democrata do PSD em que certamente JPP se reveria existe ou se estará porventura mumificada e acomodada em outras lides bem menos exigentes para a vida pessoal de cada um. Se existisse e estivesse no poder então haveria espaço para aproximações (vejam-se as posições de Manuela Ferreira Leite). Com estes travestidos social-democratas em exercício qualquer acordo ou aproximação do PS atirá-lo-iam para a irrelevância política e eleitoral. Estou certo que não é a isso que Costa vem.

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