sábado, 25 de abril de 2015

UM PROGRAMA DE ESQUERDA LIBERAL?




As réplicas em torno do documento dos 12 economistas coordenados por Mário Centeno sucedem-se a uma velocidade estonteante como se a realidade nacional ficasse de repente presa pelo fio de um documento e da sua eventual aceitação ou adaptação por um partido que aspira protagonizar uma governação alternativa. Isto é um país pequenino e a sua centralização abjeta ainda o torna mais insignificante.

Pedro Santos Guerreiro e Martim Avillez, ambos no Expresso, avançam com uma das interpretações mais sugestivas do alcance do documento, classificando-o como um programa de esquerda liberal e, como é compreensível, essa classificação não é indiferente, se efetiva, à sua futura utilização pelo PS em plena batalha eleitoral.

Mas o documento dos 12 tem de facto uma inspiração de esquerda liberal? A análise que tenho vindo a fazer do documento vai a meu ver nesse sentido. A sua opção por intervenções corretoras de desigualdades, sobretudo daquelas que resultam de uma desproporcionada e excessivamente concentrada no tempo consolidação austeritária das contas públicas e a opção por determinadas formas de fiscalidade como é, por exemplo, o imposto sucessório são marcas de uma governação à esquerda, preocupada que esteja com as escolhas públicas que visam corrigir níveis perigosos de não coesão social. Por outro lado, a abordagem à precariedade no mercado de trabalho, o tratamento da sustentabilidade da segurança social com descida de TSU para empregadores e trabalhadores e a opção por prestações sociais de regimes não contributivos “means tested” (sujeitas à demonstração de condições de recursos) são elementos que decorrem de uma inspiração liberal. Porém, a combinação entre medidas do primeiro e segundo tipo não é assunto fechado e a prática política pode introduzir matizes e dimensões diferentes.

Pode perguntar-se se este não é inevitavelmente o âmbito de opções em que uma governação do PS se pode movimentar, dando de barato (o que não é líquido que aconteça com tanta facilidade) que será possível influenciar na cena europeia mais flexibilidade para consolidações fiscais menos destruidoras de valor e com menor penosidade social.

Pergunto-me, num cenário académico, o que seria um programa de governação liderado por forças políticas como o Bloco de Esquerda ou o Livre? É uma boa questão, mas meramente académica, já que a postura sobretudo do Bloco não é de governação e por isso é impossível descortinar o confronto de um programa de governo inspirado por tais forças com o do programa agora em discussão.

Mas conviria começar a pensar nesse cenário de descortinar que alterações seria necessário introduzir num programa de governação matricialmente inspirado pelo documento dos 12 para obter um acordo de incidência parlamentar à esquerda do PS.

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