As réplicas em torno do documento dos 12 economistas coordenados
por Mário Centeno sucedem-se a uma velocidade estonteante como se a realidade nacional
ficasse de repente presa pelo fio de um documento e da sua eventual aceitação
ou adaptação por um partido que aspira protagonizar uma governação alternativa.
Isto é um país pequenino e a sua centralização abjeta ainda o torna mais
insignificante.
Pedro Santos Guerreiro e Martim Avillez, ambos no
Expresso, avançam com uma das interpretações mais sugestivas do alcance do
documento, classificando-o como um programa de esquerda liberal e, como é compreensível,
essa classificação não é indiferente, se efetiva, à sua futura utilização pelo
PS em plena batalha eleitoral.
Mas o documento dos 12 tem de facto uma inspiração de
esquerda liberal? A análise que tenho vindo a fazer do documento vai a meu ver
nesse sentido. A sua opção por intervenções corretoras de desigualdades,
sobretudo daquelas que resultam de uma desproporcionada e excessivamente
concentrada no tempo consolidação austeritária das contas públicas e a opção
por determinadas formas de fiscalidade como é, por exemplo, o imposto sucessório
são marcas de uma governação à esquerda, preocupada que esteja com as escolhas
públicas que visam corrigir níveis perigosos de não coesão social. Por outro
lado, a abordagem à precariedade no mercado de trabalho, o tratamento da
sustentabilidade da segurança social com descida de TSU para empregadores e
trabalhadores e a opção por prestações sociais de regimes não contributivos “means tested” (sujeitas à demonstração
de condições de recursos) são elementos que decorrem de uma inspiração liberal.
Porém, a combinação entre medidas do primeiro e segundo tipo não é assunto
fechado e a prática política pode introduzir matizes e dimensões diferentes.
Pode perguntar-se se este não é inevitavelmente o âmbito
de opções em que uma governação do PS se pode movimentar, dando de barato (o
que não é líquido que aconteça com tanta facilidade) que será possível
influenciar na cena europeia mais flexibilidade para consolidações fiscais menos
destruidoras de valor e com menor penosidade social.
Pergunto-me, num cenário académico, o que seria um
programa de governação liderado por forças políticas como o Bloco de Esquerda
ou o Livre? É uma boa questão, mas meramente académica, já que a postura
sobretudo do Bloco não é de governação e por isso é impossível descortinar o
confronto de um programa de governo inspirado por tais forças com o do programa
agora em discussão.
Mas conviria começar a pensar nesse cenário de
descortinar que alterações seria necessário introduzir num programa de governação
matricialmente inspirado pelo documento dos 12 para obter um acordo de incidência
parlamentar à esquerda do PS.
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