terça-feira, 14 de abril de 2015

O DESCONCERTANTE FASCÍNIO DE VER O TEMPO A PASSAR



Dediquei umas horas da minha última passagem por Lisboa a uma obra-prima em exibição no Museu Coleção Berardo, no âmbito de uma parceria com o “Público” por ocasião da celebração dos seus 25 anos: chama-se “The Clock” e é uma criação do artista suíço-americano Christian Marclay.

Difícil uma descrição mais precisa e concisa do que a de Daniel Zalewski no “New Yorker” (num magnífico texto traduzido pela “Ípsilon”) e que abaixo se reproduz. Mas sempre merecerá a pena acrescentar a mais circunstanciada nota explicativa do diretor artístico Pedro Lapa: “The Clock (2010) de Christian Marclay consiste numa experiência cinematográfica integrada num espaço museológico. Trata-se de um filme construído a partir de uma laboriosa colagem de fragmentos de filmes da história do cinema, com a particularidade de, em cada sequência, surgir, a determinado momento da ação, um relógio. Seja através de uma personagem que consulta as horas no seu relógio de pulso, seja o relógio na parede ou mesmo a anotação de uma hora, o observador é confrontado com a hora apresentada em cada relógio rigorosamente sincronizada com a hora real em que observa o filme. Este tem a duração de 24 horas e todos os trechos selecionados apresentam minuto a minuto a passagem do tempo, em última instância revela-se um perfeito relógio.”


Aquando da conferência de imprensa que inaugurou a apresentação do trabalho em Portugal, Marclay deixou-nos também alguns elementos interessantes sobre o contexto e a razão de ser da mesma. Retenho os seguintes quatro tópicos:

· “Demorei três anos a fazer a seleção dos filmes… Comecei em 2007. Isso foi feito em Londres e todos os filmes vêm de Londres. alugados em clubes de vídeo. Os três anos que isso demorou a fazer estão representados pela oferta de filmes disponível em Londres, nessa altura. Hoje, penso que trabalharíamos de modo diferente — talvez descarregando os filmes — e talvez tivéssemos acesso a muito mais filmes.”

· “Existem muitos filmes clássicos que mostram relógios. Mas acabou por ser sobretudo uma questão de pesquisa; quase todos os filmes fazem uma referência ao tempo, ou com um relógio ou então através dos diálogos — é só alguém dizer “Estou atrasado” e apressar-se a para ir uma reunião, ou algo mais metafórico. Nem todos os trechos dizem exatamente que horas são. Alguns deles são usados como transições, mas todos eles fazem referência a algo relacionado com o passar do tempo. Escolhi maioritariamente cenas muito aborrecidas para o filme — onde há pessoas à espera ou não há muita ação a decorrer — porque esses momentos são interessantes… A ansiedade de estar à espera. Mas podem ser só referências ao passar do tempo, como um cigarro a arder. Quaisquer imagens de memento mori podem ser usadas.”

· “A hora que se vê no filme é a mesma que podemos ver no nosso iPhone. Esta é a magia da peça, é que ela diz mesmo as horas e assim tornamo-nos participantes porque temos a nossa vida; fazemos escolhas — “OK! Tenho uma hora agora!” E estamos ali e queremos ficar mais tempo... A peça diz-nos que já passou uma hora... “Saio agora? Ou fico mais dez minutos?” E assim a nossa vida torna-se parte da peça, porque temos um encontro, temos que ir buscar os miúdos, temos que ir à casa de banho; temos de fazer estas coisas e isto cria uma tensão cativante.”

· “O filme não tem começo nem fim. Começa quando tu entras, e quando sais termina para ti. És tu que escolhes; o que é bastante diferente de um filme tradicional onde entramos todos à mesma hora, sentamo-nos, vemos o filme durante duas horas, e saímos todos ao mesmo tempo... existem filas de cadeiras, mas isto requer um tipo de espaço que é muito diferente. Aqui coloquei sofás com muito espaço à volta, pode-se entrar e sair sem ter que disturbar uma fila inteira. É um tipo de arquitetura diferente... Para mim esta peça é uma instalação.”



Recomendo vivamente uma visita experimental a quem estiver em Lisboa ou puder por lá passar, pouco tempo que seja, numa hora ao almoço, ao final da tarde ou no fim de semana, já que a instalação ainda estará acessível em qualquer dia das 10 às 19 horas. Para os mais afoitos que queiram aceitar um desafio, sugiro que optem pelo último dia de exibição e, após uma noite bem dormida de Sexta-Feira para Sábado, cheguem ao CCB às 10 horas do dia 18 devidamente preparados para uma visualização do vídeo em sessão integral. Será de Homem (com H grande, claro)...

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