terça-feira, 14 de abril de 2015

UM TRIBUTO DISTANTE


A notícia da morte de François Maspero representou para mim, e seguramente para uma larga franja de pessoas da minha geração, um momento de evocação de vida. Durante os anos 60 e a primeira metade da década de 70, a livraria de “Masp” em pleno “Quartier Latin” parisiense (40, rue Saint Séverin) era um lugar de peregrinação que de algum modo se confundia com a descoberta de Paris e de uma ambiência de liberdade.

A livraria abriu em 1957, após dois anos de uma experiência inaugural (“L’Escalier”) numa lojinha “que cheirava a chichi de gato”, e veio a servir a François como local para os primeiros passos, fortemente improvisados, na edição em que se lançou por imperativos sobretudo associados ao “caráter insustentável das guerras coloniais” e à “desilusão face ao comunismo soviético”. No que me toca, a famosa “Petite Collection Maspero” (abaixo recordada em imagens) era um must daqueles anos e desempenhou um papel essencial na minha formação cívica e económica – Reich e Guérin, Mandel e Bettelheim, Althusser e Balibar, Rancière e Godelier, Chesneau e Jalée, Palloix e Poulantzas, Dobb e Sweezy, Valier e Salama, Castells e Lacoste...

A livraria fechou em 1976 e a editora foi vendida em 1982 e rebatizada “La Découverte”. O saldo de toda uma atividade contestatária e muito participada pode resumir-se, sem mais palavras, nas 30 coleções criadas, nos 1350 títulos publicados, nas 8 revistas lançadas e na impressionante lista de intelectuais e políticos, revolucionários e pacifistas, escritores e poetas, investigadores e divulgadores que compõe o seu histórico de autores.

Com François, desaparece um ser complexo nas suas deambulações íntimas e relacionamentos pessoais, mas principalmente um homem público generoso, que viveu intensamente o seu tempo e que soube deixar marcas muito impressivas. Alguém que, como recordava ontem o “Le Monde”, gostava de sublinhar que o túmulo do avô tinha gravadas duas palavras italianas (“Ma spero”) e que, mais do que os mortos, “é sobretudo útil amar os vivos”; não sem acrescentar muito sugestivamente que alude apenas aos “verdadeiros”...

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