Nunca hesitei tanto na redação de um obituário como o que
devia registar a morte de José Mariano Gago. Entendo os obituários como uma
forma de expressão póstuma de uma amizade que, como António Lobo Antunes muitas
vezes escreve, ficou com muita coisa por dizer, quando a morte nos surpreende. Nunca
tive uma relação de proximidade com JMG e contam-se pelos dedos momentos públicos
em que tive o prazer de partilhar a sua presença. Uma tertúlia no Guarani com gente
da ciência no Porto e o contrato público de financiamento ao Laboratório Ibérico
Internacional de Nanotecnologia em Braga, assinado na CCDR-N, foram os momentos
que retenho na memória. Este último ato público foi particularmente importante,
pois pela primeira vez ouvi Mariano Gago a dissertar com profundidade sobre a
batalha da atração de talentos na economia do conhecimento e a reconhecer o
potencial sistema regional de inovação que as comunidades científicas e tecnológicas
do Minho e do Porto podiam configurar no futuro.
Por isso hesitei e interroguei-me se era coerente dar-me
ao topete de escrever um obituário sobre alguém que não conhecia em privado. Mas
dei comigo a relembrar a admiração que uma geração de amigos que tem hoje entre
65 e 70 anos dedicava ao JMG e à referência de serviço público que ele
representava melhor do que ninguém. Mas o que essencialmente me fez ultrapassar
a resistência inicial foi um tema caro a este blogue e que é a ausência preocupante
de gente e personalidades com VISÃO de País. E se há de facto personalidade que
lutou consistente e persistentemente pela VISÃO de País que desde muito cedo
foi construindo foi JMG. O futuro de Portugal era visto indissociavelmente associado
à valorização da ciência e dos homens de ciência que ousaram num país periférico
e de reduzidas massas críticas deque demográficas construir uma trajetória de
vida profissional. JMG entristecia-se com a incapacidade do país empresarial utilizar
melhor o valor do conhecimento produzido no País, mas foi com o tempo
compreendendo que esse esforço não pode brotar apenas do tecido empresarial. A ciência
tem também de fazer o seu próprio esforço para se aproximar do tecido empresarial
que pode transformar os seus resultados em valor económico.
Mas o que é impressionante é a coerência e persistência
da VISÃO que alimentava, a continuidade da sua ação política e a compreensão
que teve que os Fundos Estruturais eram a condição indispensável para que a
comunidade científica nacional preparasse com tempo a sua capacidade de acesso
aos programas de ciência e tecnologia de matriz europeia, concorrendo com os
seus pares. No Portugal democrático não conheço outro homem político com VISÃO
de País tão persistente e coerente como o foi JMG.
Espero por isso que a sua persistência e coerência tenham
deixado raízes e que essa VISÃO de País continue a manifestar-se nos próximos
anos, fazendo com que o consulado de Crato seja considerado um simples
pesadelo, ultrapassado com convicção.
O futuro programa do PS deve-lhe essa retribuição e o País
só poderá ficar beneficiado com isso.
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