quinta-feira, 2 de abril de 2015

MANOEL, ÍNTEGRO E MAL-AMADO




De viagem de Braga para o Porto, com a canícula precoce a apertar, dei com a TSF em reportagem alargada sobre a morte de Manoel de Oliveira, com todo aquele rol de personalidades a dissertar sobre o seu desaparecimento do que alguns chamam Mestre, mas que gosto mais de classificar de experimentador, resistente, cineasta do mundo, batalhador da arte, complemento de outro génio, Agustina.
Pedro Mexia dizia e bem na reportagem que Manoel de Oliveira representa uma entre outras estéticas do cinema, que a cultivou como ninguém, de forma controversa e que tentar ajustar essa estética à ideia de público é um contrassenso e que não corresponde sequer ao sentimento de quem nos deixou.
Por isso, a minha sensação de vómito profundo quando ouvi o líder parlamentar do PSD falar da personagem desaparecida foi espontânea e profunda. Manoel rir-se-á no túmulo, certamente com o seu humor fino e incontrolável, destas luminárias que vão agora dar um passo em frente para estar na fotografia.
De Manoel de Oliveira fica para mim sobretudo a figura mundial a partir do Porto e que a partir daqui não foi menos cosmopolita ou moderno do que teria sido se o tivesse assumido a partir da corte. 



Da sua obra, que é certamente desigual, ficam para mim quatro referências: Douro faina fluvial que nos anunciou muito antes do tempo uma riqueza que só muito mais tarde compreendemos que tínhamos à nossa disposição; Aniki-Bobó que não hesito em associar como ícone da nossa cultura popular de gente do Porto; Francisca, com a sua cena irredutível do cavaleiro e cavalo a esmagarem a cena do interior de um salão burguês e Vale de Abraão, a minha obra-prima de estimação. Da sua vida multifacetada, relembro sobretudo os seus diálogos reais e imaginários com Agustina Bessa Luís e o privilégio de ter trabalhado de perto com Catherine Deneuve, uma das minhas divas. A última imagem do Manoel de Oliveira relembro-a na Casa da Música num concerto de que me falha a memória e a sua dignidade espelhada naquele modo fidalgo, ainda que alquebrado, de empunhar a sua bengala.


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