De viagem de Braga para o Porto, com a canícula precoce a
apertar, dei com a TSF em reportagem alargada sobre a morte de Manoel de Oliveira,
com todo aquele rol de personalidades a dissertar sobre o seu desaparecimento
do que alguns chamam Mestre, mas que gosto mais de classificar de
experimentador, resistente, cineasta do mundo, batalhador da arte, complemento de
outro génio, Agustina.
Pedro Mexia dizia e bem na reportagem que Manoel de
Oliveira representa uma entre outras estéticas do cinema, que a cultivou como
ninguém, de forma controversa e que tentar ajustar essa estética à ideia de público
é um contrassenso e que não corresponde sequer ao sentimento de quem nos deixou.
Por isso, a minha sensação de vómito profundo quando ouvi
o líder parlamentar do PSD falar da personagem desaparecida foi espontânea e
profunda. Manoel rir-se-á no túmulo, certamente com o seu humor fino e
incontrolável, destas luminárias que vão agora dar um passo em frente para
estar na fotografia.
De Manoel de Oliveira fica para mim sobretudo a figura
mundial a partir do Porto e que a partir daqui não foi menos cosmopolita ou
moderno do que teria sido se o tivesse assumido a partir da corte.
Da sua obra,
que é certamente desigual, ficam para mim quatro referências: Douro faina
fluvial que nos anunciou muito antes do tempo uma riqueza que só muito mais tarde
compreendemos que tínhamos à nossa disposição; Aniki-Bobó que não hesito em
associar como ícone da nossa cultura popular de gente do Porto; Francisca, com
a sua cena irredutível do cavaleiro e cavalo a esmagarem a cena do interior de
um salão burguês e Vale de Abraão, a minha obra-prima de estimação. Da sua vida
multifacetada, relembro sobretudo os seus diálogos reais e imaginários com
Agustina Bessa Luís e o privilégio de ter trabalhado de perto com Catherine
Deneuve, uma das minhas divas. A última imagem do Manoel de Oliveira relembro-a
na Casa da Música num concerto de que me falha a memória e a sua dignidade
espelhada naquele modo fidalgo, ainda que alquebrado, de empunhar a sua
bengala.
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