sábado, 11 de abril de 2015

AS AGRURAS DE COSTA E A PACIÊNCIA CÍVICA DE NÓVOA



Uma rápida leitura da imprensa de sábado, rápida porque está sol de novo e é preciso arejar as meninges e há tempo lá para a noite para regressar a reflexões mais profundas, permite construir um universo de perceções do ambiente político, um pouco fuzzy, direi a roçar para o louco, que se vive no reino.

Imagino que seja assim que os políticos constroem a sua própria perceção do contexto em que estão a intervir. A imprensa, a televisão e a rádio devem constituir o seu material de perceções, até porque não acredito que nas suas idas ao terreno, para câmara de televisão ver e captar, lhes seja possível recolher perceções mais sistemáticas.

Utilizando este critério, parece inquestionável que a trajetória afirmativa de António Costa está em apuros, restando saber se ele próprio tem a perceção das agruras que a perceção exterior permite construir. Para além dos contactos que tive em plena campanha eleitoral interna do PS e simpatizantes, nunca em termos profissionais ou pessoais tive qualquer contacto com António Costa que me permita compreender a sua personalidade e uma coisa é o ambiente de debate do Quadratura, outra coisa bem diferente é a da pressão da decisão política em contextos quase sempre adversos e de grande indeterminação. Em reunião de trabalho de já uns meses, o diretor do planeamento estratégico da Câmara Municipal de Lisboa dizia-me que o então ainda presidente da CML era fortemente determinado mas muito teimoso. Mas é pouco para tentar compreender como é que o próprio Costa lerá estes sinais óbvios de dificuldade de concretização de uma trajetória de afirmação.

Na minha leitura, julgo estarmos perante um caso típico de subvalorização de adversários e de contexto. A canhestra governação da maioria que Costa tão bem denunciou nas suas incursões pelo Quadratura não é necessariamente significado de canhestra preparação do cenário eleitoral e nesta última matéria o espirito crítico da sociedade portuguesa parece estar tragicamente limitado à argúcia sem limites de José Pacheco Pereira que prega praticamente no deserto na sua impiedosa desconstrução da propaganda eleitoral do governo (ver a sua última intervenção no Quadratura que antecipava já a sua mais estruturada crónica de hoje no Público). Para além disso, parece não ter havido uma adequada avaliação das incidências do período que iria mediar entre a vitória interna no PS e a apresentação da sua alternativa de governação, sobretudo do ponto de vista da sua relação com a comunicação social, pois o drama disto tudo é que a ligação dos candidatos a uma alternativa com a população é hoje fortemente intermediada pela comunicação social e não é seguro (passe o trocadilho) que essa intermediação seja inocente. Em termos políticos, o comentário centra-se no facto de Costa não estar a conseguir polarizar o combate político, eu diria antes que Costa não está a conseguir projetar-se como representação política dos que aspiram a ver-se livres desta maioria e que experimentaram na pele o empobrecimento e a queda de qualidade de vida de um ajustamento que não projetou estruturalmente o país para os desafios que estão intactos. E aqui permitam-me que diga que isso não é apenas um problema de Costa, embora as esperanças quanto à sua liderança fossem a esse nível muito altas, que ele próprio criou. É que estamos a esquecer que o PS não é apenas Costa. Em termos crus e impopulares, como é que um PS que se projeta no constante abre boca de gente como António Vitorino, Sérgio Sousa Pinto, o próprio Ferro Rodrigues frequentemente infeliz, José Lello, Belém Roseira e outras personalidades, já para não falar do lio Sócrates, pode bipolarizar alguma coisa? Será que alguns dos indivíduos e famílias se sente representado por tais personalidades quando dissertam sobre tudo em nome do PS? Eu pela minha parte não me sinto e não consigo estabelecer o corte sanitário entre Costa e tais acompanhantes. E não serei certamente o único.

A subvalorização do contexto de preparação das presidenciais parece hoje também evidente. Primeiro por ter deixado que se instalasse um ambiente messiânico de regresso de Guterres, o qual tenho sinceramente muitas dúvidas que fosse como Presidente da República (mesmo com a presença constante do confessor Milícias) a personalidade abrangente que o país hoje necessita. Sempre achei que a saída de Guterres foi demasiado traumática para uma revisita normal ao local das operações. Aquela ideia de pântano numa personalidade tão dada à introspeção como Guterres terá deixado marcas que nem sempre o tempo apaga. Depois, porque a forma atabalhoada como o eventual apoio a uma candidatura presidencial de António Nóvoa corre o risco de um trágico 2 em 1: nem resolve o problema do PS, e ainda por cima amarra uma candidatura de largo espectro cívico a uma trapalhada partidária que está nos antípodas do pensamento de Nóvoa.

E aqui vai uma larga e mui respeitosa chapelada pela paciência cívica de António Nóvoa com que tem aturado as diatribes jornalísticas que até ousaram desenterrar a memória de Saldanha Sanches e um júri universitário para evidenciar que António Nóvoa não é capaz de uma magistratura de influência. Admito que Nóvoa tenha uma conceção de país fortemente marcada pelo lugar redentor que ele atribui à educação e à qualificação dos portugueses como fator de todas as mudanças possíveis e que tenha de construir uma visão mais larga inserindo aí a questão do perfil produtivo a construir. Mas não tenho dúvidas que António Nóvoa tem uma clara ideia do papel de Portugal no mundo e que sobretudo pode trazer à política uma dimensão ética socialmente empenhada de que todos estamos precisados.

Por isso é simplesmente nojenta e nauseabunda a forma como alguma imprensa vem agora clamar que o homem não tem passado político. Primeiro, andaram a clamar que há uma larga insatisfação na sociedade portuguesa e que muitos se sentem representados por uma outra forma de fazer política, arvorando-se como os grandes arautos dessa insatisfação. Agora, que surge uma personalidade proveniente da sociedade civil e com ética social de empenhamento aqui d’el rei que não tem experiência política. Não há pachorra.

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