A terceira conferência do FMI da série “Rethinking Macropolicy” dedicada ao tema “Progress or Confusion” realizar-se-á nos
dias 15 e 16 de abril de 2015 (está aí à bica) em Washington, na universidade
George Washington. As duas primeiras edições da conferência fazem antever
material valioso, mesmo que saibamos que o tempo de transmissão das ideias ao
posicionamento do FMI é longo e que o pensamento da instituição é,
frequentemente, bipolar com relatórios a contradizerem-se ao ritmo de quem
entra e sai das cafeterias de Washington, das quais tenho gratas recordações.
O programa da conferência é vasto e aliciante e por hoje
detenho-me na secção Fiscal Policy in
the Future que, ironia das
ironias, será moderado, imagine-se, por Vítor Gaspar (preparem-se para que o
vídeo streaming da conferência bloqueie com o tom monocórdico e arrastado do
moderador!). Faço-o simplesmente, porque um dos participantes, Bradford DeLong,
resolveu abrir por antecipação as hostilidades e no EQUITABLE GROWTH apresenta o draft da sua intervenção, ao qual Krugman reagiu também recentemente. No seu estilo
inconfundível, DeLong, é fiel à sua perspetiva de defesa da análise económica
como perspetiva crucial de pronunciamento sobre as coisas. Centrando-se
geograficamente no que os historiadores económicos da última geração designam
de Atlântico Norte que dá para incluir a União Europeia, os EUA e o Canadá,
DeLong discute o comportamento previsível da política fiscal no médio prazo.
Fá-lo no pressuposto, cuja verificação pode ser problemática pelo menos a curto
prazo, de que mais tarde ou mais cedo as condições de “zero
lower bound” das taxas de juro serão ultrapassadas, tornando de
novo possível que a política monetária se ocupe com maior eficácia da
estabilização da procura.
Para DeLong, três questões subsistem enquanto fatores
condicionantes do papel da política fiscal a médio prazo (século XXI): a
dimensão ótima do setor público; o nível adequado de endividamento para o
crescimento económico; o ajustamento deste último nível adequado em função de
considerações de risco sistémico. Como é de fácil intuição, das três questões a
que mais interessa ao racional inspirador do Interesse
Privado, Ação Pública, é a primeira, sendo aliás sobre a
primeira questão que se situa a réplica de Krugman. A segunda e terceira
questão não são despiciendas, mas ficarão para uma outra oportunidade.
E o que é relevante assinalar é que quanto à primeira
questão DeLong conclui que se antevê para o século XXI uma dimensão ótima de
setor público (digamos de governo) superior à observada. O ponto de partida de
DeLong são os princípios básicos da economia pública, os quais num mundo
considerado ótimo para o funcionamento da economia de mercado apontam para um
papel do setor público limitado a uma política anti-trust de redução dos poderes de mercado e de rigidez de
preços, de estabilização da procura, de regulação financeira e de atenção a
distorções de comportamento dos agentes económicos ditadas por falhas
psicológicas como a inveja, despeito e miopia. Nesta abordagem, avulta a ideia
de que tais condições ótimas apontam para a existência generalizada no mercado
de bens rivais e passíveis de exclusão (ver quando seguinte):
Rivalidade/exclusão
|
Bens
passíveis de exclusão
|
Bens não
passíveis de exclusão
|
Bens rivais
|
Bens privados: a minha garagem
|
Bens comuns: os recursos do mar
|
Bens não
rivais
|
Bens de clube: um parque de estacionamento pago; a
TV por cabo
|
Bens públicos: a televisão de acesso livre
|
A explicação de DeLong passa por considerar que o mundo
ótimo para limitação do setor público enfrenta dificuldades que passam por bens
(e serviços) cada vez menos rivais e passíveis de exclusão de acesso, pela
existência de riscos morais no comportamento dos agentes económicos e por
outras falhas de mercado geradas por comportamentos desviantes (veja-se a crise
financeira de 2007-08, a ganância da distribuição desigual do rendimento e os
desmandos em Portugal da chamada corporate
governance, por exemplo. Por outro lado, basta considerar as
necessidades em conhecimento dos novos modelos de crescimento económico, a
relevância dos bens “informação” (não rivais e não passíveis de exclusão) e a
pressão sobre a saúde determinada pelo alongamento da vida
para compreender que, do ponto de vista económico, a onda do estado mínimo não
resiste à própria economia pública que o poderia justificar.
Mas há outras matérias que vale a pena considerar. A
questão da desigualdade e a propensão para as economias de mercado do
capitalismo de hoje excluírem cada vez mais gente dos benefícios do progresso
económico e lançarem cada vez mais gente na rota da exclusão (veja-se a dimensão
do desemprego europeu e do desemprego estrutural, de longa duração como
categoria estatística mais próxima, para compreender a dimensão do problema)
determinam orientações contrárias à tese do governo ou estado mínimo. E não se
esqueçam os desastres que constituíram em alguns países como os EUA a
privatização das pensões e outras privatizações.
A distinção entre papel e peso do Estado deve ser aqui
retomada e Stiglitz foi dos primeiros a antecipar posições sobre essa matéria. E
não se estigmatize a governação pública através de uma comparação meramente
axiomática. Krugman acrescenta ao tema a evidência de que em decisões individuais
que implicam opções a muito longo prazo, tanto mais a longo prazo quanto mais a
esperança de vida à nascença tender a aumentar, o paternalismo público
revelou-se mais eficaz do que a livre decisão individual. E assim somos levados
a um campo de intervenção pública bem mais amplo do que a dos bens públicos tout court.
Mas como é óbvio o maior peso do setor público tem de ser
financiado e por isso as duas restantes questões em aberto colocadas por DeLong
têm pertinência. E chegam as escolhas públicas, que devem ser claramente
colocadas aos eleitores.
Estou curioso como o programa ou os programas de António
Costa equacionarão este debate contemporâneo, não ignorando o debate económico
sem a ele ficar amarrado.
Sem comentários:
Enviar um comentário