terça-feira, 7 de abril de 2015

O DEBATE QUE VALE A PENA




A terceira conferência do FMI da série “Rethinking Macropolicy” dedicada ao tema “Progress or Confusion” realizar-se-á nos dias 15 e 16 de abril de 2015 (está aí à bica) em Washington, na universidade George Washington. As duas primeiras edições da conferência fazem antever material valioso, mesmo que saibamos que o tempo de transmissão das ideias ao posicionamento do FMI é longo e que o pensamento da instituição é, frequentemente, bipolar com relatórios a contradizerem-se ao ritmo de quem entra e sai das cafeterias de Washington, das quais tenho gratas recordações.


O programa da conferência é vasto e aliciante e por hoje detenho-me na secção Fiscal Policy in the Future que, ironia das ironias, será moderado, imagine-se, por Vítor Gaspar (preparem-se para que o vídeo streaming da conferência bloqueie com o tom monocórdico e arrastado do moderador!). Faço-o simplesmente, porque um dos participantes, Bradford DeLong, resolveu abrir por antecipação as hostilidades e no EQUITABLE GROWTH apresenta o draft da sua intervenção, ao qual Krugman reagiu também recentemente. No seu estilo inconfundível, DeLong, é fiel à sua perspetiva de defesa da análise económica como perspetiva crucial de pronunciamento sobre as coisas. Centrando-se geograficamente no que os historiadores económicos da última geração designam de Atlântico Norte que dá para incluir a União Europeia, os EUA e o Canadá, DeLong discute o comportamento previsível da política fiscal no médio prazo. Fá-lo no pressuposto, cuja verificação pode ser problemática pelo menos a curto prazo, de que mais tarde ou mais cedo as condições de “zero lower bound” das taxas de juro serão ultrapassadas, tornando de novo possível que a política monetária se ocupe com maior eficácia da estabilização da procura.

Para DeLong, três questões subsistem enquanto fatores condicionantes do papel da política fiscal a médio prazo (século XXI): a dimensão ótima do setor público; o nível adequado de endividamento para o crescimento económico; o ajustamento deste último nível adequado em função de considerações de risco sistémico. Como é de fácil intuição, das três questões a que mais interessa ao racional inspirador do Interesse Privado, Ação Pública, é a primeira, sendo aliás sobre a primeira questão que se situa a réplica de Krugman. A segunda e terceira questão não são despiciendas, mas ficarão para uma outra oportunidade.

E o que é relevante assinalar é que quanto à primeira questão DeLong conclui que se antevê para o século XXI uma dimensão ótima de setor público (digamos de governo) superior à observada. O ponto de partida de DeLong são os princípios básicos da economia pública, os quais num mundo considerado ótimo para o funcionamento da economia de mercado apontam para um papel do setor público limitado a uma política anti-trust de redução dos poderes de mercado e de rigidez de preços, de estabilização da procura, de regulação financeira e de atenção a distorções de comportamento dos agentes económicos ditadas por falhas psicológicas como a inveja, despeito e miopia. Nesta abordagem, avulta a ideia de que tais condições ótimas apontam para a existência generalizada no mercado de bens rivais e passíveis de exclusão (ver quando seguinte):

Rivalidade/exclusão
Bens passíveis de exclusão
Bens não passíveis de exclusão
Bens rivais
Bens privados: a minha garagem
Bens comuns: os recursos do mar
Bens não rivais
Bens de clube: um parque de estacionamento pago; a TV por cabo
Bens públicos: a televisão de acesso livre

A explicação de DeLong passa por considerar que o mundo ótimo para limitação do setor público enfrenta dificuldades que passam por bens (e serviços) cada vez menos rivais e passíveis de exclusão de acesso, pela existência de riscos morais no comportamento dos agentes económicos e por outras falhas de mercado geradas por comportamentos desviantes (veja-se a crise financeira de 2007-08, a ganância da distribuição desigual do rendimento e os desmandos em Portugal da chamada corporate governance, por exemplo. Por outro lado, basta considerar as necessidades em conhecimento dos novos modelos de crescimento económico, a relevância dos bens “informação” (não rivais e não passíveis de exclusão) e a pressão sobre a saúde determinada pelo alongamento da vida para compreender que, do ponto de vista económico, a onda do estado mínimo não resiste à própria economia pública que o poderia justificar.

Mas há outras matérias que vale a pena considerar. A questão da desigualdade e a propensão para as economias de mercado do capitalismo de hoje excluírem cada vez mais gente dos benefícios do progresso económico e lançarem cada vez mais gente na rota da exclusão (veja-se a dimensão do desemprego europeu e do desemprego estrutural, de longa duração como categoria estatística mais próxima, para compreender a dimensão do problema) determinam orientações contrárias à tese do governo ou estado mínimo. E não se esqueçam os desastres que constituíram em alguns países como os EUA a privatização das pensões e outras privatizações.

A distinção entre papel e peso do Estado deve ser aqui retomada e Stiglitz foi dos primeiros a antecipar posições sobre essa matéria. E não se estigmatize a governação pública através de uma comparação meramente axiomática. Krugman acrescenta ao tema a evidência de que em decisões individuais que implicam opções a muito longo prazo, tanto mais a longo prazo quanto mais a esperança de vida à nascença tender a aumentar, o paternalismo público revelou-se mais eficaz do que a livre decisão individual. E assim somos levados a um campo de intervenção pública bem mais amplo do que a dos bens públicos tout court.

Mas como é óbvio o maior peso do setor público tem de ser financiado e por isso as duas restantes questões em aberto colocadas por DeLong têm pertinência. E chegam as escolhas públicas, que devem ser claramente colocadas aos eleitores.

Estou curioso como o programa ou os programas de António Costa equacionarão este debate contemporâneo, não ignorando o debate económico sem a ele ficar amarrado.

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