Por vezes hesito em classificar os economistas como
homens de ciência (claro que me refiro aos que têm produção científica). Nos
últimos tempos, algum do seu trabalho dificilmente entra nos meus cânones de
ciência e daí a minha hesitação. Mas vamos deixar a minha interrogação por
agora e admitir que os economistas podem ser homens de ciência, sem contudo
deixar de reconhecer que há quem ridicularize essa possibilidade, regra geral
físicos e outras especialidades. As candeias às avessas a que refiro respeitam
contudo às relações entre os economistas e os “cientistas” sociais e já vão
perceber por que razão.
Já aqui repetidas vezes chamei a atenção para a
relevância do trabalho de Marion Fourcade, professora em Berkeley e na Sciences
PO em Paris, sobre o seu trabalho insano de estudo das condições em que os
economistas produzem, publicam, influenciam, ganham, vivem, reproduzem-se
(salvo seja!). Esse estudo é crucial para compreendermos hoje duas coisas:
primeiro, por que razão em contexto de resultados contraditórios e de
desapontamento para com o trabalho dos economistas dominantes o mainstream resiste, não propriamente
impávido e sereno, mas pelo menos arrogante; segundo, para explicar as
dificuldades de consolidação de um paradigma macroeconómico alternativo para os
tempos de hoje. O Economists and Societies (Princeton University Press 2009) é para mim uma
obra de referência e marcou muito o meu pensamento sobre aquelas duas questões
do nosso curto prazo económico. Pois Marion voltou à carga com investigação
mais fresca e estruturada e, conjuntamente com Etienne Ollion e Yann Algan,
publicou recentemente no Journal of
Economic Perspectives (Winter 2015) um artigo decisivo sobre a
matéria: The Superiority of Economists.
O artigo fortemente ancorado na bibliometria das
principais revistas económicas científicas americanas, do tipo American Economic Review e Quarterly
Journal of Economics confirma
algumas regularidades conhecidas ou intuídas. Assim, os economistas continuam a
sustentar a maior cientificidade da disciplina face às restantes ciências
sociais, devido sobretudo à invocação do rigor formal, modelos matemáticos
sobretudo e, apesar de algumas aberturas à fertilização cruzada com algumas
disciplinas (psicologia cognitiva, entre outras), continuam a citar-se
dominantemente entre si, o que contrasta com as restantes ciências sociais que
citam abundantemente um economista como Heckman, por exemplo. A
interdisciplinaridade continua a desagradar (diria mesmo assustar) aos economistas,
enquanto que as restantes ciências sociais o admitem com maior insistência e
assiduidade. Fourcade e os seus colegas avançam entretanto numa outra matéria
que é crucial para compreendermos a influência do pensamento económico, que é a
questão do retorno económico da tal arrogância económica, que os autores
analisam com o pormenor de seguirem as trajetórias profissionais dos principais
envolvidos. E aqui avulta a presença da realidade das Business Schools como
local de implantação dos economistas candidatos a homens de ciência. Essa
percentagem chega já praticamente a 1/5 dos inquiridos e isso também não deixa
de mostrar a própria evolução das Business Schools nas quais, ao contrário do
que sem passa cá pelo reino, dão muito mais guarida à teoria económica e ao
“prestígio” que ela traz a essas instituições, assegurando também por essa via
o elevado retorno económico da profissão. O mundo estudado por Fourcade e
colegas apresenta ainda duas outras importantes características: a debilidade
de presença do género feminino e a profunda hierarquia e controlo que o sistema
revela em matéria de condições de publicação do novo conhecimento.
O artigo está já a produzir algumas ondas de choque.
Moisés Naím no The Atlantic reage recomendando aos economistas maior humildade
sobretudo atendendo ao que conseguem aportar à resolução concreta dos grandes
problemas macroeconómicos contemporâneos. Krugman entende por sua vez que o artigo de Naím é quase depreciativo, invocando a sua própria análise do novo artigo de Fourcade e mostrando que a pesquisa de Fourcade não integrava
explicitamente a luta entre os paradigmas conflituais, embora pela hierarquia e
controlo. Krugman é um caso curioso. Não é propriamente um economista de baixo
retorno antes pelo contrário, tem notoriedade e nem por isso influencia mais a
política macroeconómica (veja-se a sua distância à política macroeconómica de
Obama). Dizia-me Ricardo Reis (Columbia University) em outubro do ano passado,
em amena conversa de almoço de conferência na Gulbenkian, que a notoriedade e o
combate diários de Krugman no New York Times eram vistos nos EUA como um
combate essencialmente político, o que eventualmente lhe retirasse alguma
influência nos meandros do poder macroeconómico.
O tema é simultaneamente atual e aliciante. Não podemos
também esquecer que hoje o escrutínio é aberto e ainda há bem pouco tempo um jovem
doutorando em Massachussets -Amherst (que não é uma universidade de renome por
aí além) conseguiu desmontar todo um mito determinista quanto ao peso da dívida
pública no PIB em matéria de inibição de crescimento económico, identificando
um bug na folha EXCEL de Rogoff e
Reinhart que abalou estes últimos. Mas também é curioso que isso acontece com
alguém que não era doutorando nem de Rogoff nem de Reinhart.
Neste ponto, não resisto à velhinha citação de Joan
Robinson com a qual animávamos a conflitualidade teórica da Faculdade de
Economia do Porto, em 1975, retirada da prestigiada Reviewof Economic Studies (muito
Oxford e pouco Cambridge) de 1953-54:
“Moreover, the
production function has been a powerful instrument of mis- education. The
student of economic theory is taught to write 0=f (L, C) where L is a quantity
of labour, C a quantity of capital and 0 a rate of output of commodities.' He
is instructed to assume all workers alike, and to measure L in man-hours of
labour; he is told something about the index-number problem involved in
choosing a unit of output ; and then he is hurried on to the next question, in the
hope that he will forget to ask in what units C is measured. Before ever he
does ask, he has become a professor, and so sloppy habits of thought are handed
on from one generation to the next. (Além disso, a função de produção tem sido um poderoso instrumento de má
educação. O estudante de teoria económica é ensinado a escrever O= f(L,C) em
que L é a quantidade de trabalho, C a quantidade de capital e O a taxa de
produção de mercadorias. Ele é instruído a pressupor que todos os trabalhadores
são iguais e a medir L em termos de homens-hora de trabalho; é-lhe dito alguma
coisa sobre o problema do número índice para escolher a unidade de produto e é
rapidamente encaminhado para a próxima questão, na esperança de que se esqueça
de perguntar em que unidades C é medido. Mesmo antes de perguntar, tornou-se
professor e assim hábitos desleixados de pensamento são transmitidos de uma
geração para outra).”
Sem comentários:
Enviar um comentário