quinta-feira, 16 de abril de 2015

ECONOMISTAS E OUTROS HOMENS DE CIÊNCIA DE CANDEIAS ÀS AVESSAS



Por vezes hesito em classificar os economistas como homens de ciência (claro que me refiro aos que têm produção científica). Nos últimos tempos, algum do seu trabalho dificilmente entra nos meus cânones de ciência e daí a minha hesitação. Mas vamos deixar a minha interrogação por agora e admitir que os economistas podem ser homens de ciência, sem contudo deixar de reconhecer que há quem ridicularize essa possibilidade, regra geral físicos e outras especialidades. As candeias às avessas a que refiro respeitam contudo às relações entre os economistas e os “cientistas” sociais e já vão perceber por que razão.

Já aqui repetidas vezes chamei a atenção para a relevância do trabalho de Marion Fourcade, professora em Berkeley e na Sciences PO em Paris, sobre o seu trabalho insano de estudo das condições em que os economistas produzem, publicam, influenciam, ganham, vivem, reproduzem-se (salvo seja!). Esse estudo é crucial para compreendermos hoje duas coisas: primeiro, por que razão em contexto de resultados contraditórios e de desapontamento para com o trabalho dos economistas dominantes o mainstream resiste, não propriamente impávido e sereno, mas pelo menos arrogante; segundo, para explicar as dificuldades de consolidação de um paradigma macroeconómico alternativo para os tempos de hoje. O Economists and Societies (Princeton University Press 2009) é para mim uma obra de referência e marcou muito o meu pensamento sobre aquelas duas questões do nosso curto prazo económico. Pois Marion voltou à carga com investigação mais fresca e estruturada e, conjuntamente com Etienne Ollion e Yann Algan, publicou recentemente no Journal of Economic Perspectives (Winter 2015) um artigo decisivo sobre a matéria: The Superiority of Economists.

O artigo fortemente ancorado na bibliometria das principais revistas económicas científicas americanas, do tipo American Economic Review e Quarterly Journal of Economics confirma algumas regularidades conhecidas ou intuídas. Assim, os economistas continuam a sustentar a maior cientificidade da disciplina face às restantes ciências sociais, devido sobretudo à invocação do rigor formal, modelos matemáticos sobretudo e, apesar de algumas aberturas à fertilização cruzada com algumas disciplinas (psicologia cognitiva, entre outras), continuam a citar-se dominantemente entre si, o que contrasta com as restantes ciências sociais que citam abundantemente um economista como Heckman, por exemplo. A interdisciplinaridade continua a desagradar (diria mesmo assustar) aos economistas, enquanto que as restantes ciências sociais o admitem com maior insistência e assiduidade. Fourcade e os seus colegas avançam entretanto numa outra matéria que é crucial para compreendermos a influência do pensamento económico, que é a questão do retorno económico da tal arrogância económica, que os autores analisam com o pormenor de seguirem as trajetórias profissionais dos principais envolvidos. E aqui avulta a presença da realidade das Business Schools como local de implantação dos economistas candidatos a homens de ciência. Essa percentagem chega já praticamente a 1/5 dos inquiridos e isso também não deixa de mostrar a própria evolução das Business Schools nas quais, ao contrário do que sem passa cá pelo reino, dão muito mais guarida à teoria económica e ao “prestígio” que ela traz a essas instituições, assegurando também por essa via o elevado retorno económico da profissão. O mundo estudado por Fourcade e colegas apresenta ainda duas outras importantes características: a debilidade de presença do género feminino e a profunda hierarquia e controlo que o sistema revela em matéria de condições de publicação do novo conhecimento.

O artigo está já a produzir algumas ondas de choque. Moisés Naím no The Atlantic reage recomendando aos economistas maior humildade sobretudo atendendo ao que conseguem aportar à resolução concreta dos grandes problemas macroeconómicos contemporâneos. Krugman entende por sua vez que o artigo de Naím é quase depreciativo, invocando a sua própria análise do novo artigo de Fourcade e mostrando que a pesquisa de Fourcade não integrava explicitamente a luta entre os paradigmas conflituais, embora pela hierarquia e controlo. Krugman é um caso curioso. Não é propriamente um economista de baixo retorno antes pelo contrário, tem notoriedade e nem por isso influencia mais a política macroeconómica (veja-se a sua distância à política macroeconómica de Obama). Dizia-me Ricardo Reis (Columbia University) em outubro do ano passado, em amena conversa de almoço de conferência na Gulbenkian, que a notoriedade e o combate diários de Krugman no New York Times eram vistos nos EUA como um combate essencialmente político, o que eventualmente lhe retirasse alguma influência nos meandros do poder macroeconómico.

O tema é simultaneamente atual e aliciante. Não podemos também esquecer que hoje o escrutínio é aberto e ainda há bem pouco tempo um jovem doutorando em Massachussets -Amherst (que não é uma universidade de renome por aí além) conseguiu desmontar todo um mito determinista quanto ao peso da dívida pública no PIB em matéria de inibição de crescimento económico, identificando um bug na folha EXCEL de Rogoff e Reinhart que abalou estes últimos. Mas também é curioso que isso acontece com alguém que não era doutorando nem de Rogoff nem de Reinhart.

Neste ponto, não resisto à velhinha citação de Joan Robinson com a qual animávamos a conflitualidade teórica da Faculdade de Economia do Porto, em 1975, retirada da prestigiada Reviewof Economic Studies (muito Oxford e pouco Cambridge) de 1953-54:

“Moreover, the production function has been a powerful instrument of mis- education. The student of economic theory is taught to write 0=f (L, C) where L is a quantity of labour, C a quantity of capital and 0 a rate of output of commodities.' He is instructed to assume all workers alike, and to measure L in man-hours of labour; he is told something about the index-number problem involved in choosing a unit of output ; and then he is hurried on to the next question, in the hope that he will forget to ask in what units C is measured. Before ever he does ask, he has become a professor, and so sloppy habits of thought are handed on from one generation to the next. (Além disso, a função de produção tem sido um poderoso instrumento de má educação. O estudante de teoria económica é ensinado a escrever O= f(L,C) em que L é a quantidade de trabalho, C a quantidade de capital e O a taxa de produção de mercadorias. Ele é instruído a pressupor que todos os trabalhadores são iguais e a medir L em termos de homens-hora de trabalho; é-lhe dito alguma coisa sobre o problema do número índice para escolher a unidade de produto e é rapidamente encaminhado para a próxima questão, na esperança de que se esqueça de perguntar em que unidades C é medido. Mesmo antes de perguntar, tornou-se professor e assim hábitos desleixados de pensamento são transmitidos de uma geração para outra).”

Na prática o que Fourcade e colegas encontraram na sua investigação não é significativamente diferente da intuição combativa de Joan Robinson. Bons tempos, melhores cabeças.

Sem comentários:

Enviar um comentário