quinta-feira, 9 de abril de 2015

AS IDEIAS FERVILHAM EM PARIS …




O título parece um contrassenso. Por bandas da França e da sua capital as ideias não têm fervilhado, antes estiolado, cavando ainda mais a decrepitude da França das ideias que ainda conheci. Mas a conferência económica anual organizada pelo INET (Institute forNew Economic Thinking) de 8 a 11 de abril em Paris, subordinada ao tema “Liberté, Égalité, Fragilité”, substitui-se ao declínio das ideias económicas em França e anima por estes dias o espírito parisiense, talvez mais atento à guerra entre os Le Pen do que à riqueza do debate

O programa é aliciante (ver aqui através do sempre atento Mark Thoma no Economist’s View) e sobretudo anota a presença de uma nova plêiade de investigadores que responderam afirmativamente ao desafio do INET. E a teoria económica bem precisa deste tipo de desafios.

Uma incursão rápida pelo programa e pelos papers que já estão disponíveis (de novo à boleia do Economist’s View) permitiu que me detivesse num artigo de cinco economistas para mim desconhecidos, dois da Copenhagen Business School e três outros de universidades americanas (Brown, Boston e Massachussets Amherst), que apresentam na conferência de Paris resultados preliminares de um projeto de investigação mais vasto, o qual retoma em parte a parte final do meu post anterior. O tema é-me caro e consiste em investigar o modo como o chamado neoliberalismo económico disseminou as suas ideias e influência sobretudo a partir do período 1969-1974 e sofre com a Grande Recessão de 2007-2008 e sua recuperação altamente interrogada o seu abalo mais significativo. Ou seja, como dizia no meu último como é que o pensamento económico contribuiu para a instalação de um mau paradigma de política macroeconómica ou em que medida não o consegue remover.

Analisar a disseminação e influência do neoliberalismo económico por via da produção teórica e empírica na ciência económica não é tarefa fácil, já que há várias equivalências possíveis para se delimitar o pensamento económico neoliberal. Vários autores tentaram sem êxito fazer corresponder o debate monetarismo versus keynesianismo ao neoliberalismo, associando este à primeira daquelas correntes. Há hoje economistas monetaristas que são profunda e contundentemente adversários do neoliberalismo na gestão da presente crise, pelo que não é esse o centro da distinção e da fronteira que lhe corresponde. Uma outra curiosa tentativa, talvez a mais conhecida embora muito exclusivamente USA, é a que em 1976 o economista americano Robert E. Hall estabeleceu entre os economistas freshwater e saltwater, distinção que não lembraria a um diabo economicamente letrado, mas que faz algum sentido mergulhando um pouco na sua explicitação. A freshwater economics é associada às bandas dos Grandes Lagos americanos (universidades de Chicago, Minneapolis, Pittsburgh, Rochester) e agrupa o pensamento que iria insurgir-se contra a dominância keynesiana na macroeconomia e contra o paradigma de política económica mais interventiva (daí o serem associados ao neoliberalismo económico). A saltwater economics é associada às universidades da costa atlântica (Harvard, Princeton, Columbia e Yale) e californiana (sobretudo Berkeley) que, pelo contrário, dominavam na altura o pensamento macroeconómico, assumindo já a natureza de um neokeynesianismo de várias orientações. A freshwater economics diversificou-se de forma extremada agrupando hoje diferentes correntes.

O que parece sugestivo na investigação agora preliminarmente avançada é a análise de percurso realizada entre o período de ascensão do neoliberalismo até ao afrontamento do pós 2007-2008, seguindo de perto a produção teórica, analisando os posicionamentos profissionais dos seus autores, as redes de citação preferencial que mantiveram entre si, as citações de combate que realizaram, ao mesmo tempo que é também analisada a resistência do neokeynesianismo. Será assim mais fácil compreender a força do “establishment” académico, a forma como ele se protegeu e como conseguiu manter influência junto de algum poder político.

Creio que esta investigação permitirá compreender melhor as razões explicativas das hesitações quanto à adoção de um novo paradigma de política macroeconómica para o pós 2007-2008.

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