O título parece um contrassenso. Por bandas da França e
da sua capital as ideias não têm fervilhado, antes estiolado, cavando ainda
mais a decrepitude da França das ideias que ainda conheci. Mas a conferência económica anual organizada pelo INET (Institute forNew Economic Thinking) de 8 a 11 de abril em Paris, subordinada ao tema “Liberté, Égalité, Fragilité”,
substitui-se ao declínio das ideias económicas em França e anima por estes dias
o espírito parisiense, talvez mais atento à guerra entre os Le Pen do que à
riqueza do debate
O programa é aliciante (ver aqui através do sempre atento Mark Thoma no Economist’s View) e
sobretudo anota a presença de uma nova plêiade de investigadores que
responderam afirmativamente ao desafio do INET. E a teoria económica bem
precisa deste tipo de desafios.
Uma incursão rápida pelo programa e pelos papers que já estão disponíveis (de novo
à boleia do Economist’s View) permitiu
que me detivesse num artigo de cinco economistas para mim desconhecidos, dois
da Copenhagen Business School e três outros de universidades americanas (Brown,
Boston e Massachussets Amherst), que apresentam na conferência de Paris
resultados preliminares de um projeto de investigação mais vasto, o qual retoma
em parte a parte final do meu post anterior. O tema é-me caro e consiste em
investigar o modo como o chamado neoliberalismo económico disseminou as suas
ideias e influência sobretudo a partir do período 1969-1974 e sofre com a
Grande Recessão de 2007-2008 e sua recuperação altamente interrogada o seu
abalo mais significativo. Ou seja, como dizia no meu último como é que o
pensamento económico contribuiu para a instalação de um mau paradigma de política
macroeconómica ou em que medida não o consegue remover.
Analisar a disseminação e influência do neoliberalismo
económico por via da produção teórica e empírica na ciência económica não é
tarefa fácil, já que há várias equivalências possíveis para se delimitar o
pensamento económico neoliberal. Vários autores tentaram sem êxito fazer corresponder
o debate monetarismo versus keynesianismo ao neoliberalismo, associando este à
primeira daquelas correntes. Há hoje economistas monetaristas que são profunda
e contundentemente adversários do neoliberalismo na gestão da presente crise,
pelo que não é esse o centro da distinção e da fronteira que lhe corresponde. Uma
outra curiosa tentativa, talvez a mais conhecida embora muito exclusivamente
USA, é a que em 1976 o economista americano Robert E. Hall estabeleceu entre os
economistas freshwater e saltwater, distinção que não lembraria a
um diabo economicamente letrado, mas que faz algum sentido mergulhando um pouco
na sua explicitação. A freshwater
economics é associada às bandas dos Grandes Lagos americanos
(universidades de Chicago, Minneapolis, Pittsburgh, Rochester) e agrupa o
pensamento que iria insurgir-se contra a dominância keynesiana na macroeconomia
e contra o paradigma de política económica mais interventiva (daí o serem
associados ao neoliberalismo económico). A saltwater
economics é associada às universidades da costa atlântica (Harvard,
Princeton, Columbia e Yale) e californiana (sobretudo Berkeley) que, pelo contrário,
dominavam na altura o pensamento macroeconómico, assumindo já a natureza de um
neokeynesianismo de várias orientações. A freshwater
economics diversificou-se de forma extremada agrupando hoje diferentes
correntes.
O que parece sugestivo na investigação agora
preliminarmente avançada é a análise de percurso realizada entre o período de
ascensão do neoliberalismo até ao afrontamento do pós 2007-2008, seguindo de
perto a produção teórica, analisando os posicionamentos profissionais dos seus
autores, as redes de citação preferencial que mantiveram entre si, as citações
de combate que realizaram, ao mesmo tempo que é também analisada a resistência do
neokeynesianismo. Será assim mais fácil compreender a força do “establishment”
académico, a forma como ele se protegeu e como conseguiu manter influência
junto de algum poder político.
Creio que esta investigação permitirá compreender melhor
as razões explicativas das hesitações quanto à adoção de um novo paradigma de
política macroeconómica para o pós 2007-2008.
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