À medida que os anos passam, o andar dos mesmos revela-se vertiginoso e torna-se-nos quase avassalador. Uma sensação que em mim recrudesce especialmente em cada Primavera, por razões óbvias associadas ao marco da natalidade e ao seu cumulativo registo. Ainda há dias me dava conta de que um casal de miúdos que com os pais veio morar para o meu prédio tinha por avô um meu ex-aluno na Faculdade de Economia do Porto. E, ontem mesmo, foi a vez de me deparar com um mais jovem ex-fepiano, Fernando Medina, a assumir a presidência da Câmara Municipal de Lisboa em substituição de António Costa.
Sendo que, no caso vertente, a situação tem contornos bastante mais variados. Porque as referências que me ligam ao Fernando não são apenas as do ex-aluno ou do ex-presidente da Associação de Estudantes e da Federação Académica do Porto. Vêm de muito mais atrás no tempo, de um tempo em que ele ainda estava longe de existir, e relacionam-se com memórias infanto-juvenis que guardo de alguns seus ascendentes familiares. Falo do avô, um professor metodólogo de Ciências Naturais no Liceu Normal D. Manuel II (agora Rodrigues de Freitas) onde nos anos 60 estudei durante todo o ensino secundário e que era um personagem tão desconcertante quanto fascinante – sobre Augusto Henrique Medina (AHM), sublinho a caraterização de Luísa Cortesão de “um tipo absolutamente avant la lettre”, uma pessoa que “tinha, sobretudo, um enorme espírito crítico que poderia desencadear nos alunos quer uma perfeita adoração quer alguns bloqueios” e que lhe provocou “a minha primeira sacudidela para a educação” ao praticar, “nas aulas, sentado”, o “método dialogado” em que punha os alunos “a descobrir coisas através do diálogo com eles”; ou aquele excerto de um recente discurso do Viriato Pina Moura, que andava um ano atrás de mim, em que evocava “as aulas dadas por um professor invariavelmente sentado numa das carteiras, nunca subindo ao púlpito do poder do professor – o estrado e a secretária – repartindo com um de nós, magríssimo, o estreito assento da carteira, frequentemente fumando, não desperdiçando o tempo letivo a escrever o sumário da aula, pois haveria de gastar uma aula no final do período para cumprir de uma só vez a obrigação burocrática”; recordando ainda que impunha “uma divisão e gestão do tempo letivo por critérios estritamente ditados pelo interesse científico que atribuía às matérias – cinco, seis aulas, o que fosse necessário para fazer pesagens, medições, registos, gráficos ou para ver filmes, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, da vida da célula ao deslumbramento do universo”. Falo também dos livros da autoria dos seus avós que existiam lá por casa e pelos quais às vezes me guiei conforme pude naqueles anos em que teve de ser. Falo ainda da mãe e dos tios que, se não me engano eram seis (e depois mais um quando AHM enviuvou e voltou a casar) e moravam ali para a Ramada Alta, alguns dos quais vieram a constituir-se em gente dotada de alguma auréola local – quem daquela época e lugar não recorda “as Medina”? – e tiveram grande visibilidade académico-política naqueles anos imediatamente anteriores e posteriores a 1974. E só não falo do pai, o militante comunista Edgar Correia, porque já tantos o fizeram (para enaltecer a inteligência, a firmeza, a combatividade e a generosidade) e eu apenas tive com ele contactos tangenciais.
Direi, por fim, que reencontrei o Fernando em Lisboa quando eu andava pela Horta-Seca e ele se iniciava no gabinete de António Guterres e, mais tarde, quando ele foi secretário de Estado de Vieira da Silva na Economia e no Emprego. Mas foi novamente no Porto que ele mostrou, nas difíceis condições que marcaram a campanha da Elisa, a boa formação de princípios que lhe corre no sangue – e se a história se rescrevesse talvez os lisboetas não estivessem agora defrontados com um portuense ao seu leme... Boa sorte, Fernando!
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