quarta-feira, 29 de abril de 2015

À FRENTE DO SEU TEMPO




Acaba de me chegar às mãos o último de Habermas, publicado pela Wiley (2015), The Lure of Technocracy, título que me atreveria a traduzir por A Atração (sedução, engodo) da Tecnocracia.

Detive-me para já nos capítulos em que Habermas continua intrépido, cáustico e inovador na sua constante denúncia das derivas não democráticas do projeto europeu e, simultaneamente, na sua tarefa de fundamentação do porquê da necessidade de Mais Europa e de convicção de que a cedência à tecnocracia europeia irá traduzir-se por perdas devastadoras para a cidadania. É de facto impressionante como um dos grandes filósofos ainda vivos arremete contra a falência do pensamento crítico no seu próprio país e sujeita a nomenclatura técnica europeia a uma crítica incessante. Retirando o europeísmo ainda militante por meras questões de avaliação económica do que seria a rotura do mercado interno europeu, Habermas é provavelmente no plano político e filosófico a única VOZ conceituada que continua a inscrever no seu discurso de combate simultaneamente a crítica da deriva tecnocrática não democrática e a proposta de soluções e modelos para manter a democraticidade do projeto europeu. E pensar combatendo deve fazer bem à longevidade, pois Habermas continua a manter um ritmo de produção assinalável, sempre acompanhada de presença cívica no debate público. Um exemplo para muitos cavernosos intelectuais universitários que se apagam hoje no doce embalo dos louros e pergaminhos do passado e que criaram já as chamadas pantufas da mente.

Habermas discute em que medida está por um fio a instável aliança que pelos dias que correm vai puxando no sentido de uma maior integração: uma estranha aliança entre os tecnocratas, os eurodemocratas e os liberais de mercado identificados com o projeto europeu, na qual apenas os eurodemocratas ou democratas supranacionais pugnam por fazer da integração europeia uma via para aproximar a política e os políticos, hoje em claríssima divergência dinâmica. Esta aliança instável que enfrenta por sua vez os que se reivindicam de uma construção europeia mais em cooperação com os parlamentos nacionais está hoje submetida à pressão decisória de um incrementalismo político carenciado de uma Visão de futuro que pudesse acomodar e dar um rumo ao referido incrementalismo, e que atua sobretudo porque não sabe antecipar os custos da desagregação do Euro, procurando por isso evitá-la a todo o custo.
E Habermas discute a dificuldade de definir os conceitos de coesão social sobre o qual recaem as exigências de maior solidariedade no contexto europeu entre países mais ricos e mais pobres. A solidariedade não se refere a um determinado contexto social, antes exigindo a criação de um contexto que só a política pode assegurar. Conclui o artigo inicial do livro com a convicção de que só uma perspetiva política partilhada por todos para promover o crescimento e a competitividade da zona euro com um todo pode potenciar um esforço cooperativo e solidário. Mas será isso possível?

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