Acaba de me chegar às mãos o último de Habermas,
publicado pela Wiley (2015), The Lure of
Technocracy, título que me atreveria a traduzir por A Atração (sedução, engodo) da Tecnocracia.
Detive-me para já nos capítulos em que Habermas continua
intrépido, cáustico e inovador na sua constante denúncia das derivas não
democráticas do projeto europeu e, simultaneamente, na sua tarefa de
fundamentação do porquê da necessidade de Mais Europa e de
convicção de que a cedência à tecnocracia europeia irá traduzir-se por perdas
devastadoras para a cidadania. É de facto impressionante como um dos grandes
filósofos ainda vivos arremete contra a falência do pensamento crítico no seu
próprio país e sujeita a nomenclatura técnica europeia a uma crítica
incessante. Retirando o europeísmo ainda militante por meras questões de
avaliação económica do que seria a rotura do mercado interno europeu, Habermas
é provavelmente no plano político e filosófico a única VOZ conceituada que
continua a inscrever no seu discurso de combate simultaneamente a crítica da
deriva tecnocrática não democrática e a proposta de soluções e modelos para
manter a democraticidade do projeto europeu. E pensar combatendo deve fazer bem
à longevidade, pois Habermas continua a manter um ritmo de produção
assinalável, sempre acompanhada de presença cívica no debate público. Um
exemplo para muitos cavernosos intelectuais universitários que se apagam hoje
no doce embalo dos louros e pergaminhos do passado e que criaram já as chamadas
pantufas da mente.
Habermas discute em que medida está por um fio a instável
aliança que pelos dias que correm vai puxando no sentido de uma maior
integração: uma estranha aliança entre os tecnocratas, os eurodemocratas e os
liberais de mercado identificados com o projeto europeu, na qual apenas os
eurodemocratas ou democratas supranacionais pugnam por fazer da integração
europeia uma via para aproximar a política e os políticos, hoje em claríssima
divergência dinâmica. Esta aliança instável que enfrenta por sua vez os que se
reivindicam de uma construção europeia mais em cooperação com os parlamentos
nacionais está hoje submetida à pressão decisória de um incrementalismo
político carenciado de uma Visão de futuro que pudesse acomodar e dar um rumo
ao referido incrementalismo, e que atua sobretudo porque não sabe antecipar os
custos da desagregação do Euro, procurando por isso evitá-la a todo o custo.
E Habermas discute a dificuldade de definir os conceitos
de coesão social sobre o qual recaem as exigências de maior solidariedade no
contexto europeu entre países mais ricos e mais pobres. A solidariedade não se
refere a um determinado contexto social, antes exigindo a criação de um
contexto que só a política pode assegurar. Conclui o artigo inicial do livro
com a convicção de que só uma perspetiva política partilhada por todos para
promover o crescimento e a competitividade da zona euro com um todo pode
potenciar um esforço cooperativo e solidário. Mas será isso possível?
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