quinta-feira, 16 de abril de 2015

O FMI PARECE QUERER EXPIAR CULPAS!




Não me parece que Madame Lagarde tenha especial vocação para mortificações mais ou menos siliciosas e seja recetiva a grandes expiações de culpa. Mas se estivermos atentos à vasta investigação patrocinada e publicada pela instituição nos tempos mais recentes, parece mesmo que o FMI navega por uma espécie de via crucis, dando a mão não se sabe a que palmatória ou submetendo-se a que castigo. Tenho uma explicação menos sádico-religioso-punitiva dessa evidência e ela passa pela liderança que Olivier Blanchard assume da investigação realizada pela instituição. Liderança que tudo indica é realizada num ambiente de grande liberdade de investigação, colocando a instituição recetiva a interpretar os resultados da pesquisa que ela própria promove. Senão vejamos.

O primeiro ato de contrição circunscreveu-se à já hoje assumida revisão dos multiplicadores fiscais. Com essa revisão, a instituição compreendeu que o impacto negativo que as políticas de austeridade por ela própria recomendadas implicaram em termos de redução da despesa pública era bem mais elevado do que a instituição pensava e do que os arautos da austeridade redentora anunciavam. Essa pesquisa permitiu, por exemplo, esclarecer a razão porque a destruição de produto e a calamidade social foram na Grécia bem mais penalizadoras do que a observada em Portugal, apesar do caráter socialmente custoso do ajustamento português.

Mais recentemente ainda e aqui com a ajuda preciosa de Francesco Saraceno no Sparse Thoughtsof a Gloomy European Economist, a já hoje célebre Caixa 3.5 do último World Economic Outlook (já aqui referenciado) anuncia por exemplo que a tão proclamada desregulamentação do mercado de trabalho afinal não tem o impacto que se esperava em termos de aumento da produtividade global dos fatores nas economias onde mais se avançou nessa desregulamentação. Sabendo nós que quando os artistas da nossa praça vomitam até à exaustão a reivindicação das reformas estruturais estão a pensar mais do que tudo em desregulamentações do mercado de trabalho, influenciando as relações de poder entre trabalho e capital, esta conclusão deixa esses artistas de calcinhas na mão, pois já não podem invocar a tal literatura salvadora da sua sanha desregulamentadora. Ainda antes da publicação do WEO 2015, a folha de divulgação do FMI Finances & Development, de grande circulação, publicava na edição de março de 2015 os resultados de uma pesquisa que apontava para uma outra conclusão relevante para compreender os tempos de hoje: a quebra dos índices de sindicalização nas economias, largamente apoiada pela desregulamentação em curso, traduz-se em média por um agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento através do aumento de peso dos percentis mais ricos ou de topo. Mas poderíamos ir até 2011 em que a investigação de Andrew Berg e Jonathan Ostry realizada no âmbito do FMI nos acenava com a evidência de que a desigualdade é inibidora do crescimento económico ainda antes de Summers invocar o tema para explicar a sua estagnação secular.

Há por isso matéria para acreditar que Blanchard está mais interessado em fortalecer o pensamento económico do que fazer o servicinho aos doutrinadores que se apoiavam na produção do FMI para justificar posições. Blanchard está de facto entre aqueles economistas que não necessita de renegar a sua presença no mainstream económico para abrir as portas à força inovadora do pensamento económico livre. É um democrata e isso basta-me.

E sem ser uma grande revolução o FMI, através do seu Fiscal Monitor de abril de 2015 parece querer dar de novo à política fiscal a importância que ela merece. E surpresa das surpresas quem é que aparece no IMF Direct a anunciar a nova abordagem FISCO, índice de consolidação fiscal que mede em que medida o orçamento global reage a uma variação do grau de (des)ocupação de recursos medido pelo chamado output gap? Nada mais nada menos do que Vítor Gaspar, com vídeo e tudo!

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