Não me parece que Madame Lagarde tenha especial vocação
para mortificações mais ou menos siliciosas e seja recetiva a grandes expiações
de culpa. Mas se estivermos atentos à vasta investigação patrocinada e
publicada pela instituição nos tempos mais recentes, parece mesmo que o FMI navega
por uma espécie de via crucis, dando
a mão não se sabe a que palmatória ou submetendo-se a que castigo. Tenho uma
explicação menos sádico-religioso-punitiva dessa evidência e ela passa pela
liderança que Olivier Blanchard assume da investigação realizada pela
instituição. Liderança que tudo indica é realizada num ambiente de grande
liberdade de investigação, colocando a instituição recetiva a interpretar os
resultados da pesquisa que ela própria promove. Senão vejamos.
O primeiro ato de contrição circunscreveu-se à já hoje
assumida revisão dos multiplicadores fiscais. Com essa revisão, a instituição
compreendeu que o impacto negativo que as políticas de austeridade por ela
própria recomendadas implicaram em termos de redução da despesa pública era bem
mais elevado do que a instituição pensava e do que os arautos da austeridade
redentora anunciavam. Essa pesquisa permitiu, por exemplo, esclarecer a razão
porque a destruição de produto e a calamidade social foram na Grécia bem mais
penalizadoras do que a observada em Portugal, apesar do caráter socialmente
custoso do ajustamento português.
Mais recentemente ainda e aqui com a ajuda preciosa de
Francesco Saraceno no Sparse Thoughtsof a Gloomy European Economist, a
já hoje célebre Caixa 3.5 do último World Economic
Outlook (já aqui
referenciado) anuncia por exemplo que a tão proclamada desregulamentação do
mercado de trabalho afinal não tem o impacto que se esperava em termos de
aumento da produtividade global dos fatores nas economias onde mais se avançou
nessa desregulamentação. Sabendo nós que quando os artistas da nossa praça
vomitam até à exaustão a reivindicação das reformas estruturais estão a pensar
mais do que tudo em desregulamentações do mercado de trabalho, influenciando as
relações de poder entre trabalho e capital, esta conclusão deixa esses artistas
de calcinhas na mão, pois já não podem invocar a tal literatura salvadora da
sua sanha desregulamentadora. Ainda antes da publicação do WEO 2015, a folha de divulgação do FMI Finances & Development, de
grande circulação, publicava na edição de março de 2015 os resultados de uma
pesquisa que apontava para uma outra conclusão relevante para compreender os
tempos de hoje: a quebra dos índices de sindicalização nas economias,
largamente apoiada pela desregulamentação em curso, traduz-se em média por um
agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento através do aumento de
peso dos percentis mais ricos ou de topo. Mas poderíamos ir até 2011 em que a
investigação de Andrew Berg e Jonathan Ostry realizada no âmbito do FMI nos
acenava com a evidência de que a desigualdade é inibidora do crescimento
económico ainda antes de Summers invocar o tema para explicar a sua estagnação
secular.
Há por isso matéria para acreditar que Blanchard está
mais interessado em fortalecer o pensamento económico do que fazer o servicinho
aos doutrinadores que se apoiavam na produção do FMI para justificar posições.
Blanchard está de facto entre aqueles economistas que não necessita de renegar
a sua presença no mainstream económico para abrir as portas à força inovadora
do pensamento económico livre. É um democrata e isso basta-me.
E sem ser uma grande revolução o FMI, através do seu
Fiscal Monitor de abril de 2015 parece querer dar de novo à política fiscal a
importância que ela merece. E surpresa das surpresas quem é que aparece no IMF
Direct a anunciar a nova abordagem FISCO, índice de consolidação fiscal que
mede em que medida o orçamento global reage a uma variação do grau de
(des)ocupação de recursos medido pelo chamado output gap? Nada mais nada menos
do que Vítor Gaspar, com vídeo e tudo!
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