quinta-feira, 30 de abril de 2015

O ÚLTIMO HERDEIRO DA REPÚBLICA DOS PROFESSORES?




A expressão, que considero lapidar, é de Adelino Maltez uma das vozes mais esclarecidas da ciência política em Portugal e procura caracterizar a personalidade do candidato à Presidência da República, António Sampaio da Nóvoa. A expressão assinala sobretudo aquilo que poderíamos designar de formação clássica de Nóvoa e, ao contrário do que muito observador desprevenido pressentiu, o referencial clássico de Nóvoa é mais intrépido, destemido e interdisciplinar do que pode parecer. Por tudo isso, porque conheço a sua integridade, a sua cultura profunda, a sua convicção de que os problemas do país só se resolvem continuando a apostar na qualificação e dignificação dos portugueses, para os transportar para uma dimensão cívica mais profunda, acho que a sua candidatura à Presidência da República vai ser uma lufada de ar fresco, paradoxalmente proveniente de uma formação clássica. E sobretudo depois de um consulado tão enfadonho, cinzento, contraditório e pequenino como o de Cavaco, uma personalidade como a de Sampaio da Nóvoa equivale a respirar ar puro.

A minha experiência de me projetar em candidaturas não ganhadoras (Maria de Lurdes Pintassilgo, Manuel Alegre) pode não ser um bom augúrio para as perspetivas de Nóvoa. Mas estou certo que os que pensam que a derrota de Nóvoa são favas contadas, sejam Marcelo ou, livrem-nos dessa deterioração ambiental que será uma candidatura de Rui Rio, os seus adversários mais poderosos, irão arrepender-se. Vai passar pela aragem política portuguesa um pensamento diferente. E estou em crer que a sua coerência vai ser mais unificadora do que se pensa. A ver vamos e coragem Caro António Nóvoa.

A LADAINHA DOS CONSERVADORES UK

(Guardian)


Já por mais de uma vez anotei neste blogue a importância do debate político que se vai fazendo no Reino Unido em plena campanha eleitoral a propósito da situação macroeconómica daquele país, em tempo de recuperação, mas ainda longe da performance da economia do Reino Unido estar ao nível do pré 2007-2008. A importância do debate advém, por um lado, dos Trabalhistas procurarem afirmar uma alternativa de governação e, por outro, do facto de estar em discussão o modelo de política macroeconómica assumida pela dupla Cameron-Osborne. Brevemente, recorda-se que o Reino Unido enfrenta questões relevantes como o agravamento da desigualdade, o fraco crescimento dos salários e da produtividade e um sério desmantelamento, ditado sobretudo por questões ideológicas, dos padrões de Welfare que já caracterizaram em tempos a sociedade britânica. Para memória de argumentação, convém também recordar que o Reino Unido tem moeda própria, que a dupla Cameron-Osborne optou por, em tempos de recuperação anémica, proceder a uma consolidação de contas públicas com cortes acentuados de despesa pública e que a economia britânica dispôs neste período de boas condições de financiamento a taxas de juro baixas. Por conseguinte, o que está em discussão é a questão de saber se, neste contexto, a abordagem ao após-crise poderia ter sido concretizada com uma dose bem menos acentuada de cortes na despesa pública. E, o que não é menos importante, trata-se de saber se a política macroeconómica assumida pela dupla Cameron-Osborne será ou validada nas urnas, concedendo aos conservadores um novo período de governação. Matéria por isso bem determinante para o debate em torno do após-crise.

Ora, nesta matéria, há que assinalar duas peças de inestimável valor.

A primeira é composta por uma série de posts de autoria de Simin Wren-Lewis no Mainly Macro, uma coluna honesta que tem fundamentadamente escalpelizado o pretenso êxito da conservação conservadora. Nove posts foram produzidos por Wren-Lewis sobre esta matéria e proponho que comecem pelo último que faz a síntese dos oito restantes. Não resisto a citar a introdução do post de síntese:

A história apresentada em grande parte dos media no Reino Unido é simples e intuitiva. O governo anterior deixou tudo numa confusão: gastou demais e deixou a economia do Reino Unido no meio de uma perturbação financeira. A coligação chegou para salvar a situação: combater a confusão foi duro no princípio, mas agora as coisas estão a melhorar.”

Onde é que os meus ouvidos já ouviram isto? É de facto impressionante a similaridade deste mito macromedia (expressão de Wren-Lewis para descrever a representação em torno da qual a ladainha conservadora é toda ela construída) com o discurso já de campanha eleitoral da maioria PSD-CDS. É por isso que vale a pena seguir com atenção a desmontagem dos oito mitos macromedia que Wren-Lewis nos apresenta.

A outra peça é um longo artigo escrito por Krugman para o Guardian, onde o economista americano é implacável para a incompreensível (face às condições de contexto) onda austeritária e de amplos cortes de despesa pública que a dupla Cameron-Osborne introduziu na economia britânica, sujeitando-a uma recuperação muito mais anémica e lenta do que poderia ter sido possível com outra política macroeconómica.

Veremos como o eleitorado britânico reage a este confronto de modelos de gestão da política macroeconómica. Para já os conservadores amarram-se a uma ameaça que fazem pairar sobre os eleitores. Segundo os Tories, o Labour estaria refém do partido nacionalista escocês. Veremos até que ponto o Labour resiste aos mitos e à ameaça do caos.

VAMOS OU NÃO VAMOS?



Não conheço pessoalmente António Sampaio da Nóvoa. Mas tenho por ele a lógica admiração que me merecem o professor catedrático de Educação, a obra feita pelo ex-reitor da Universidade de Lisboa e o cidadão que se deixa mobilizar em nome de causas nobres e justas. Ontem, tive a oportunidade de assistir em direto à apresentação da sua candidatura à Presidência da República no Teatro da Trindade, em Lisboa. Gostei de o ouvir começar por Sophia: “Este é o primeiro dia, inteiro e limpo”. Gostei, também, daquele “não serei um espetador impávido da degradação da nossa vida pública”. Gostei, ainda, do grito de revolta contra a desesperança: “Que política é esta? Sem uma única ideia de futuro para Portugal. Que país é este? Que parece sem vontade, sem pensamento, sem rumo.” E gostei, por fim, da atitude genuína e convicta que ali soube transmitir com rigor e beleza na palavra e a mobilização coletiva no horizonte. Tudo o resto, que pudesse valorizar (como as origens valencianas e caminhenses) ou até contestar, seriam meros detalhes.

Sala a abarrotar, muita gente pela rua. Soares e Sampaio. A mãe e o padrasto de António Costa. Muitos socialistas de diversas procedências e filiações, mas aparelho apenas q.b. Pouco povo profundo. Tudo mais ou menos como não podia deixar de ser nas presentes circunstâncias. E, contudo, uma vaga sensação de que há quem esteja somente a cumprir mínimos ou até a jogar para nulos. Depois do inqualificável desastre que foi Aníbal, afastado um candidato possuidor de cartão de sócio como era Guterres, sem grandes perigosidades políticas pela frente e com as legislativas no centro das preocupações, talvez haja quem entenda que é de dar por bem-vindo o que acabar por vir. E porque não o amigo Rio, naqueles seus declamatórios alardes de coragem rústica, marialva e fanfarrona? Antes um “bolas fora” intrépido mas controlável do que um interventor sólido à solta? Recuso, não posso de todo crer que alguns institucionais em exercício possam vir a tratar assim a responsabilidade que lhes cabe para com aspirações viáveis do seu tempo...

BELMIRO SAI HOJE


Do meio do lodaçal de quinta ordem que se veio a verificar que “Isto” finalmente era, após retirada um a um de todos os disfarces que o estavam a esconder, ficou Belmiro. Teimoso, autoritário, intratável, frio, implacável. Para além de contraditório, aproveitador e até provinciano.

Mesmo que o “homem Sonae” esteja longe de corresponder a um qualquer poço de virtudes, inclusive na dimensão estritamente gestionária, estas décadas empresariais de Belmiro fizeram escola. Mesmo que o seu jogo jogado nem sempre tenha sido devidamente transparente e que a gloriosa vitória final tenha quase sempre acabado por lhe escapar, Belmiro fez jus ao capitalismo e à sua função, jogando algumas cartadas sérias de oportunidade/oportunismo e de risco (como no BPA e na PT). Mesmo que as suas opções e decisões tenham frequentemente revelado lacunas relevantes e aberto espaço a segundas e menos simpáticas leituras/interpretações.

Assim tendo sido, e aduzidos todos os condicionais, reais ou aparentes, é forçoso e justo concluir que o Belmiro que andou por aí marcou diferenças e deixou rasto...

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O EURO A DESCOBERTO




Via mensagem que, através do Financial Times, o meu amigo José Cerqueira (Angola) me enviou, tomo conhecimento de três cartas ao conceituado jornal que colocam o euro a descoberto, como edifício imperfeito e sem inteligência endógena disponível para o consertar.

Cito:
“Não é claramente uma moeda comum
Caro Senhor, li com grande interesse os comentários de Sir James Pickthorn e James Maguire (Cartas 28 de abril) relativas à “moeda comum”. Deve agora tornar-se claro que não estamos a tratar de uma moeda comum mas com um sistema de taxas de câmbio fixas que não demorará muito tempo a quebrar. Os arquitetos de Bretton Woods tiveram pelo menos em conta a natureza finita do sistema e permitiram uma faixa, ainda que pequena, em que as moedas podiam flutuar.”

FT, admita que a moeda única foi um tremendo erro
Caro Senhor, a história de Peter Aspden sobre o romance do seu pai na e com a Grécia (Life &Arts, 25 de abril) está relacionada com o patético do momento atual de frieza entre a Alemanha e a Grécia. Na semana passada ouvi Lord King num discurso a afirmar que a moeda única europeia tinha gerado o conflito entre os dois países, que não teria acontecido na sua ausência. Quantos elementos do comentário económico, incluindo o FT, terão de pedir desculpa pelo mais terrível erro que sem exagero está a minar a governação democrática pacífica na Europa e a causar a mais profunda miséria ao povo Grego?”

“A loucura de esperar por resultados diferentes
Caro Senhor, Se há algum mito na análise de Martin Wolf sobre a odisseia do euro na Grécia (22 de abril) é a que não devemos questionar a ideia de que ser membro do euro é algo de irrevogável. Na economia como em qualquer outro domínio, é seguramente mais sensato rever decisões já tomadas quando as circunstâncias mudam e nova informação está disponível. Depois de mais de 10 anos de pertença, é claro que a Grécia não sobreviverá num regime de câmbios fixos em que participam países do Norte como a Alemanha. Mesmo que todas as dívidas da Grécia fossem anuladas e se começasse do zero não há espaço para a Grécia ser produtiva ou competitiva relativamente à Alemanha com uma taxa de câmbio fixa. Ao longo do tempo, o equilíbrio comercial deteriorar-se-á de novo à medida que a competitividade grega piorar. Seguramente, será melhor reconhecer que a entrada da Grécia foi um erro e atuar em conformidade do que entrar indefinidamente num outro mito grego de Sísifo.”

Será o ambiente eleitoral do Reino Unido a sobrepor-se a tudo o mais? Queria supor que sim. Mas começo a ter dúvidas.

À FRENTE DO SEU TEMPO




Acaba de me chegar às mãos o último de Habermas, publicado pela Wiley (2015), The Lure of Technocracy, título que me atreveria a traduzir por A Atração (sedução, engodo) da Tecnocracia.

Detive-me para já nos capítulos em que Habermas continua intrépido, cáustico e inovador na sua constante denúncia das derivas não democráticas do projeto europeu e, simultaneamente, na sua tarefa de fundamentação do porquê da necessidade de Mais Europa e de convicção de que a cedência à tecnocracia europeia irá traduzir-se por perdas devastadoras para a cidadania. É de facto impressionante como um dos grandes filósofos ainda vivos arremete contra a falência do pensamento crítico no seu próprio país e sujeita a nomenclatura técnica europeia a uma crítica incessante. Retirando o europeísmo ainda militante por meras questões de avaliação económica do que seria a rotura do mercado interno europeu, Habermas é provavelmente no plano político e filosófico a única VOZ conceituada que continua a inscrever no seu discurso de combate simultaneamente a crítica da deriva tecnocrática não democrática e a proposta de soluções e modelos para manter a democraticidade do projeto europeu. E pensar combatendo deve fazer bem à longevidade, pois Habermas continua a manter um ritmo de produção assinalável, sempre acompanhada de presença cívica no debate público. Um exemplo para muitos cavernosos intelectuais universitários que se apagam hoje no doce embalo dos louros e pergaminhos do passado e que criaram já as chamadas pantufas da mente.

Habermas discute em que medida está por um fio a instável aliança que pelos dias que correm vai puxando no sentido de uma maior integração: uma estranha aliança entre os tecnocratas, os eurodemocratas e os liberais de mercado identificados com o projeto europeu, na qual apenas os eurodemocratas ou democratas supranacionais pugnam por fazer da integração europeia uma via para aproximar a política e os políticos, hoje em claríssima divergência dinâmica. Esta aliança instável que enfrenta por sua vez os que se reivindicam de uma construção europeia mais em cooperação com os parlamentos nacionais está hoje submetida à pressão decisória de um incrementalismo político carenciado de uma Visão de futuro que pudesse acomodar e dar um rumo ao referido incrementalismo, e que atua sobretudo porque não sabe antecipar os custos da desagregação do Euro, procurando por isso evitá-la a todo o custo.
E Habermas discute a dificuldade de definir os conceitos de coesão social sobre o qual recaem as exigências de maior solidariedade no contexto europeu entre países mais ricos e mais pobres. A solidariedade não se refere a um determinado contexto social, antes exigindo a criação de um contexto que só a política pode assegurar. Conclui o artigo inicial do livro com a convicção de que só uma perspetiva política partilhada por todos para promover o crescimento e a competitividade da zona euro com um todo pode potenciar um esforço cooperativo e solidário. Mas será isso possível?