Já aqui comentei algum do alarido que a vinda de Krugman
provocou, parte do qual se deve a uma confrangedora iliteracia económica que a
comunicação social tem vindo a disseminar, ora dando guarida a alguns papagaios
interessados na carreira pessoal do poder (é curioso ver como muda o pio de
alguns desses papagaios quando são preteridos na corte), ora veiculando por ela
própria opiniões a partir de quem não fez o “bê-a-bá” de uma formação básica em
matérias económicas (ou se a fez não a concluiu com padrões mínimos de exigência).
Esse alarido correspondeu, numa primeira fase, a uma confusão entre as posições
de Krugman quanto a duas questões que são conceptualmente distintas: a
abordagem à crise das dívidas soberanas num período de grande recessão
internacional não completamente superada e o problema da competitividade das
economias do sul, principalmente o problema português.
Numa segunda fase, o alarido entrou no domínio do comentário
bacoco orientado para o aproveitamento das posições de Krugman como arma de arremesso
contra certas posições da esquerda.
Um exemplo desse comentário bacoco é a crónica de Luís
Marques no Expresso de 3.03.2012, intitulada “Obrigado Krugman”. O argumento
adivinha-se. Partindo da ideia de que uma certa esquerda portuguesa “vibra de
excitação” com as posições de Krugman sobre a austeridade, rapidamente utiliza
a afirmação do défice de competitividade da economia portuguesa reconhecido por
Krugman e a eventual necessidade de redução de salários em 20-30% como fonte de
estado de choque da tal esquerda. O primarismo do argumento é evidente. O que
está aqui em causa não são ideias e perde-se o reconhecimento de que o pensamento económico
sobre esta matéria exige debate e não pensamento único como o que tem sido
veiculado. Ora, o que está aqui em causa, em primeiro lugar, são duas questões
que teoricamente devem ser discutidas em separado.
Uma coisa é a insistência nas políticas de austeridade. E
aqui Krugman é claro: a grande maioria dos países atingidos pela crise das dívidas
soberanas não apresentava, ao tempo da eclosão da grande recessão internacional
nos Estados Unidos, um problema sensível de dívida. E o que nos diz é que
globalmente insistir nessa orientação será fatal para o tão desejado
crescimento económico, antes de garantir uma recuperação sustentável dessa
crise. Seguir essa orientação, conduziria por exemplo a novas escolhas e a
gerir com mais cautela a redução dos subsídios sociais neste período.
Outro problema distinto é como resolver o problema de
competitividade da economia portuguesa. Primeiro, resolvê-lo num contexto
global em que continuem a imperar os ditames da disciplina fiscal será sempre
mais desfavorável, podendo essa orientação comprometer qualquer bem sucedida
política de aposta no potencial exportador nacional. A captação de novos
mercados de substituição à União Europeia em perda será sempre um processo mais
lento. Depois, a abordagem de Krugman insere-se num plano que poderíamos
designar de “macrocompetitividade”. E nesse plano, o custo unitário em trabalho
será sempre um indicador central a ter em conta, embora saibamos hoje que o conceito de
competitividade é sistémico, exigindo por isso indicadores complementares. Sabemos
também que, mesmo nesse sentido mais estrito, o custo unitário em trabalho
depende de remunerações e produtividade e só esse aspeto é gerador de uma gama
profunda de fatores que podem influenciar o indicador. Já me referi a esse
aspeto em posts anteriores. Por exemplo, fatores organizacionais ao nível da
empresa e evolução para gamas de exportações situadas em faixas mais elevadas
de preços influenciam a produtividade.
Mas a competitividade também se coloca num plano micro. Como
explicar que, mesmo nas referidas condições médias de custo unitário de
trabalho, haja empresas portuguesas resilientes, com presença relevante nos
mercados internacionais e pagando frequentemente acima dos valores médios da
contratação coletiva? O referencial da redução salarial em 20 a 30% situa-se
noutro plano, no plano macro, não no plano da firma concreta.
Se a esquerda a que se refere Luís Marques “vibra de
excitação” com as posições de Krugman e fica entupida com a sua posição sobre a
competitividade da economia portuguesa é problema que me transcende e não
pretendo gastar com ele alguma preocupação. O que brada aos céus é a ausência
de qualquer orientação de política económica dirigida quer ao plano macro, quer
ao plano micro da competitividade, esgotando-se a mesma no plano dos chamados
custos de contexto – justiça, reformas laborais, principalmente. E aqui não há
falta de imaginação de Álvaro ou Gaspar. Há sim as limitações de quem não tem
uma visão estrutural da competitividade e por isso se esgota na questão dos
custos de contexto, revelando mesmo aí alguma incapacidade de atuação. Excetuando a recente incursão da Troika no domínio dos custos elevados dos serviços protegidos e de rede, cuja redução poderá ter influência na taxa de câmbio real
das exportações portuguesas, fazendo descer custos de energia e de telecomunicações,
o deserto de ideias é confrangedor e está muito para além dos problemas de
coordenação entre a economia e as finanças. E a perturbação das ideias é tão
grande que nem sequer há um pleno aproveitamento das medidas de base tecnológica
que o QREN tem disponíveis para intervir sobretudo nos tecidos empresariais do
Norte e do Centro. Não será apenas impreparação resultante de uma mal medida
avaliação dos desafios da governação. São limitações do pensamento económico
que suporta a abordagem política à economia. Um Ministro da Economia mais pragmático
e que ouvisse mais as empresas atalharia noutra direção. O que parece não ser o
caso.
Já nem sequer vale a pena comentar o outro tipo de
alarido em torno da visita de Krugman. Argumento síntese: Como “não há almoços
grátis”, a campanha de charme do Governo teria suavizado as posições de Krugman quanto ao
país. O que pensará o homem de um país que envolve três universidades de prestígio
num doutoramento “honoris causa” e tem imprensa que elabora suposições desta natureza?
Apetece dizer como Bradford DeLong em inúmeros posts
no seu blogue “Grassing
Reality with the Invisible Hand – Fair, Balanced and Reality-based”:
“Why oh why
can't we have a better press corps?”
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