segunda-feira, 5 de março de 2012

AINDA OS ECOS DA VINDA DE KRUGMAN



Já aqui comentei algum do alarido que a vinda de Krugman provocou, parte do qual se deve a uma confrangedora iliteracia económica que a comunicação social tem vindo a disseminar, ora dando guarida a alguns papagaios interessados na carreira pessoal do poder (é curioso ver como muda o pio de alguns desses papagaios quando são preteridos na corte), ora veiculando por ela própria opiniões a partir de quem não fez o “bê-a-bá” de uma formação básica em matérias económicas (ou se a fez não a concluiu com padrões mínimos de exigência). Esse alarido correspondeu, numa primeira fase, a uma confusão entre as posições de Krugman quanto a duas questões que são conceptualmente distintas: a abordagem à crise das dívidas soberanas num período de grande recessão internacional não completamente superada e o problema da competitividade das economias do sul, principalmente o problema português.
Numa segunda fase, o alarido entrou no domínio do comentário bacoco orientado para o aproveitamento das posições de Krugman como arma de arremesso contra certas posições da esquerda.
Um exemplo desse comentário bacoco é a crónica de Luís Marques no Expresso de 3.03.2012, intitulada “Obrigado Krugman”. O argumento adivinha-se. Partindo da ideia de que uma certa esquerda portuguesa “vibra de excitação” com as posições de Krugman sobre a austeridade, rapidamente utiliza a afirmação do défice de competitividade da economia portuguesa reconhecido por Krugman e a eventual necessidade de redução de salários em 20-30% como fonte de estado de choque da tal esquerda. O primarismo do argumento é evidente. O que está aqui em causa não são ideias e perde-se o reconhecimento de que o pensamento económico sobre esta matéria exige debate e não pensamento único como o que tem sido veiculado. Ora, o que está aqui em causa, em primeiro lugar, são duas questões que teoricamente devem ser discutidas em separado.
Uma coisa é a insistência nas políticas de austeridade. E aqui Krugman é claro: a grande maioria dos países atingidos pela crise das dívidas soberanas não apresentava, ao tempo da eclosão da grande recessão internacional nos Estados Unidos, um problema sensível de dívida. E o que nos diz é que globalmente insistir nessa orientação será fatal para o tão desejado crescimento económico, antes de garantir uma recuperação sustentável dessa crise. Seguir essa orientação, conduziria por exemplo a novas escolhas e a gerir com mais cautela a redução dos subsídios sociais neste período.
Outro problema distinto é como resolver o problema de competitividade da economia portuguesa. Primeiro, resolvê-lo num contexto global em que continuem a imperar os ditames da disciplina fiscal será sempre mais desfavorável, podendo essa orientação comprometer qualquer bem sucedida política de aposta no potencial exportador nacional. A captação de novos mercados de substituição à União Europeia em perda será sempre um processo mais lento. Depois, a abordagem de Krugman insere-se num plano que poderíamos designar de “macrocompetitividade”. E nesse plano, o custo unitário em trabalho será sempre um indicador central a ter em conta, embora saibamos hoje que o conceito de competitividade é sistémico, exigindo por isso indicadores complementares. Sabemos também que, mesmo nesse sentido mais estrito, o custo unitário em trabalho depende de remunerações e produtividade e só esse aspeto é gerador de uma gama profunda de fatores que podem influenciar o indicador. Já me referi a esse aspeto em posts anteriores. Por exemplo, fatores organizacionais ao nível da empresa e evolução para gamas de exportações situadas em faixas mais elevadas de preços influenciam a produtividade.
Mas a competitividade também se coloca num plano micro. Como explicar que, mesmo nas referidas condições médias de custo unitário de trabalho, haja empresas portuguesas resilientes, com presença relevante nos mercados internacionais e pagando frequentemente acima dos valores médios da contratação coletiva? O referencial da redução salarial em 20 a 30% situa-se noutro plano, no plano macro, não no plano da firma concreta.
Se a esquerda a que se refere Luís Marques “vibra de excitação” com as posições de Krugman e fica entupida com a sua posição sobre a competitividade da economia portuguesa é problema que me transcende e não pretendo gastar com ele alguma preocupação. O que brada aos céus é a ausência de qualquer orientação de política económica dirigida quer ao plano macro, quer ao plano micro da competitividade, esgotando-se a mesma no plano dos chamados custos de contexto – justiça, reformas laborais, principalmente. E aqui não há falta de imaginação de Álvaro ou Gaspar. Há sim as limitações de quem não tem uma visão estrutural da competitividade e por isso se esgota na questão dos custos de contexto, revelando mesmo aí alguma incapacidade de atuação. Excetuando a recente incursão da Troika no domínio dos custos elevados dos serviços protegidos e de rede, cuja redução poderá ter influência na taxa de câmbio real das exportações portuguesas, fazendo descer custos de energia e de telecomunicações, o deserto de ideias é confrangedor e está muito para além dos problemas de coordenação entre a economia e as finanças. E a perturbação das ideias é tão grande que nem sequer há um pleno aproveitamento das medidas de base tecnológica que o QREN tem disponíveis para intervir sobretudo nos tecidos empresariais do Norte e do Centro. Não será apenas impreparação resultante de uma mal medida avaliação dos desafios da governação. São limitações do pensamento económico que suporta a abordagem política à economia. Um Ministro da Economia mais pragmático e que ouvisse mais as empresas atalharia noutra direção. O que parece não ser o caso.
Já nem sequer vale a pena comentar o outro tipo de alarido em torno da visita de Krugman. Argumento síntese: Como “não há almoços grátis”, a campanha de charme do Governo teria suavizado as posições de Krugman quanto ao país. O que pensará o homem de um país que envolve três universidades de prestígio num doutoramento “honoris causa” e tem imprensa que elabora suposições desta natureza?
Apetece dizer como Bradford DeLong em inúmeros posts no seu blogue “Grassing Reality with the Invisible Hand – Fair, Balanced and Reality-based”:
“Why oh why can't we have a better press corps?”

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