No início dos anos 80, Gérard Lafay foi co-orientador da minha tese de doutoramento em Paris e era também Diretor-Adjunto do organismo público (CEPII) onde eu colaborava enquanto investigador associado. Monsieur Lafay – os franceses têm o bom hábito de dispensar os títulos académicos nos locais de trabalho (embora sem chegarem ao informalismo sugerido pelo nosso ministro Álvaro, que por lá seria certamente apelidado de senhor Pereira)… – ocupava, ao tempo, um lugar proeminente no debate económico em curso e que pode esquematicamente ser identificado pela seguinte bipolarização: adaptação às tendências da procura mundial (a posição de Lafay) versus reconquista do mercado interno (a posição de figuras como Jacques Mistral).
Recordo que a metodologia relativamente pioneira que Lafay ajudou a desenvolver no CEPII foi a mesma que então serviu de base a um positivamente agitador estudo por cá realizado pelo GEBEI (Eduardo Ferro Rodrigues, José Félix Ribeiro e Lino Gomes Fernandes), em colaboração com o Banco de Fomento Nacional (representado por Luís Mira Amaral) e sob a égide da OCDE: “A especialização de Portugal em questão”. E devo ainda sublinhar que foi com enorme proveito que participei, em conjunto com Guilherme Costa, na equipa que, do lado do CEPII, monitorava “cientificamente” a aplicação da metodologia, uma equipa que era naturalmente dirigida por aquele seu mentor.
Depois de regressado a Portugal, fui revendo Gérard Lafay aquando de esporádicas visitas a Paris e tive também o prazer de o receber no Porto, aonde se deslocou a meu convite para palestras que proferiu na Faculdade de Economia e no IESF. Mas o tempo foi-nos inexoravelmente afastando e há já alguns anos que não o encontro pessoalmente e que só esparsamente o vou lendo em pequenos textos que vai assinando na comunicação social francesa. Crescentemente confirmando, aliás, a sua afiliação de sempre em relação ao espetro político da direita francesa de tradição “gaullista”.
Pois há dias ocorreu-me um desses reencontros com Monsieur Lafay ao folhear o “Le Monde” (onde é frequentador menos assíduo do que no “Le Figaro”). Com o picante adicional de que escrevia sobre o euro (com Jacques Sapir e Philippe Villin), defendendo que, apesar da pacificação da crise aguda de final de 2011 sob o efeito de dois elementos novos (a chegada de Mario Draghi ao BCE e o novo tratado orçamental), a moeda única não está salva (“Non, l’euro n’est pas sauvé!”); e sustentando mesmo estarmos perante uma “moratória ilusória de alguns meses”.
O artigo não disfarça os “tiques” associados aos traços políticos matriciais dos seus autores, como não escapa ao caráter “franco-francês” da sua definição de prioridades. Mas, não obstante, é polémico q.b. e tem contornos de efetivo interesse. Ilustro com quatro frases fortes: “Angela Merkel assume assim o risco imenso e insensato de ressuscitar a germanofobia” / “Ainda mais Maastricht para proveito único a curto prazo das exportações e dos reformados alemães” / “Maastricht arruinou a Europa do Sul e enfraqueceu a França e a Itália” / “É o preço que pagamos por uma moeda única sem mecanismos de transferência”.
A grande conclusão que dele se pretende que decorra – e que indicia um “estado de alma” com algum peso na opinião pública europeia – é que não há forma de salvar um euro cuja morte “estava inscrita nas suas estruturas” e o “está doravante nas políticas conduzidas”. Do que deriva a posição de que se “abrevie a euragonia” para evitar a “rutura desordenada” que dela será consequência forçosa, seja através de uma “desmontagem voluntária e decidida em comum” seja por via de “um processo imprevisível de saídas individuais”.
E, muito sintomaticamente, assim termina: “a França deve resistir à funesta tentação tecnocrática de nos juntar a um ‘MarkEuro’ ainda mais caro do que o ‘EuroTrichet’, o que teria o duplo efeito de acabar de nos arruinar muito rapidamente e de fazer de nós a mais pobre das províncias alemãs, tendo além disso perdido todo o poder de decisão”.
A história repete-se?
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