quarta-feira, 21 de março de 2012

PROSPETIVA TERRITORIAL NA EURO-REGIÃO

(Densidade populacional na euro-região Galiza-Norte de Portugal para o ano comparável de 2009)


A Agência de Ecologia Urbana do Eixo Atlântico teve a amabilidade de me convidar para um encontro de prospetiva territorial do projeto DESOURB daquela instituição, centrado nos domínios da demografia e do ordenamento do território, que terá lugar amanhã em Santiago de Compostela, na Conselheria de Ambiente da Xunta de Galicia.
A reflexão será conduzida com base no lançamento de algumas questões e no desenvolvimento cruzado das respostas que os participantes prepararam para essas questões.
Dada a importância do tema para o âmbito deste blogue, que estava concebido para acolher mais contributos na área do ordenamento, que ainda não conseguimos concretizar, reproduzo hoje aqui uma dessas questões e a minha resposta à mesma. Em posts seguintes, terei oportunidade de voltar aos temas desta reflexão prospetiva.
QUESTÃO
“SOMOS CADA VEZ MENOS E CADA VEZ MAIS VELHOS” Que ações estratégicas considera fundamentais para combater esta tendência sócio demográfica?
A MINHA RESPOSTA
As sociedades enfrentam historicamente ciclos demográficos cuja avaliação e integração nos modelos de desenvolvimento dos territórios devem ser devidamente ponderadas. A existência destes ciclos está para além das políticas conjunturais e apresentam uma espessura histórica e temporal que tem de ser tida em conta na formulação e concretização de políticas públicas.
O que parece ser novidade na EURO-REGIÂO é a relativa aceleração dos processos que conduziram à evidência do “SOMOS CADA VEZ MENOS E CADA VEZ MAIS VELHOS”. Todos nos recordamos como na década de 80, pelo menos algumas das NUTS III do território do Norte de Portugal eram consideradas, a par de algumas regiões irlandesas, como uma das regiões mais jovens da Europa, aliás com taxas de atividade juvenil que impressionavam pelo seu valor elevado a maioria dos observadores europeus. Esse estado de graça de juventude que, pelo menos o Norte de Portugal evidenciava, consumiu-se com rapidez, ficando pelo menos a evidência de que conseguimos melhorar acentuadamente os níveis de qualificação dessa população jovem, embora não atingindo patamares comparativos com os das regiões europeias mais evoluídas.
Pode então questionar-se que fatores terão precipitado a interrupção desse estado de graça, fazendo convergir a Euro-região Galiza-Norte de Portugal para um padrão de envelhecimento que é comum a toda a União Europeia e que constitui um dos seus problemas sistémicos mais relevantes, com impacto sério no seu modelo social.
Em primeiro lugar, o mesmo que imperfeito Estado-Providência dos países da Europa do Sul tem conseguido através das políticas de saúde e da melhoria generalizada das condições de vida uma redução persistente e continuada das taxas de mortalidade, aumentando sustentadamente a Esperança de Vida à Nascença. Não é novidade face às evidências registadas nas sociedades ocidentais em geral. O único fator de espanto possível é compreender em que medida sociedades com estruturas mais recentes e imperfeitas de Estado-Providência conseguiram projetar também nas condições de vida e de saúde os efeitos positivos do conhecimento e dos progressos da medicina. Tenho para mim que o sistema de saúde público em funcionamento nos dois países, pelo menos em Portugal, constitui apesar dos seus problemas de eficiência e de financiamento, uma das realidades mais relevantes da democracia. Isto acontece apesar da existência de fatores de morbilidade ainda não totalmente controlados e especificamente associados aos mais baixos níveis de desenvolvimento de alguns territórios. Os fenómenos de pobreza absoluta observados nestes territórios tendem a ampliar a incidência destes fenómenos. Mas, apesar disso, a descida persistente e continuada da taxa de mortalidade projeta-se no referido valor da esperança de vida à nascença.
Para além disto, há que mencionar a descida abrupta da taxa de fertilidade observada pelo menos em Portugal, já que a situação espanhola conheço-a com menos pormenor. Mas os valores de 1,3 e 1,4 para as taxas de fertilidade de Portugal e Espanha em 2009 constituem um dos mais baixos valores da base de dados do World Bank Development Indicators. Portugal e Espanha são acompanhados nesta tendência por praticamente todos os países da Europa Central e do Leste e já por alguma das economias europeias mais desenvolvidas (Alemanha, por exemplo).
O que é que pode ter explicado esta aceleração acentuada da queda da taxa de fertilidade?
Desde logo, há que ter em conta que, pelo menos em Portugal, a reduzida massa demográfica portuguesa reduz significativamente o chamado efeito inércia demográfica. Como é conhecido, quando o número de mulheres em idade de procriação é muito elevado a descida da taxa de fertilidade é compatível, por alguns anos, com a subida continuada do crescimento demográfico. Neste caso particular, não há razões para admitir que esse efeito inércia tenha sido relevante.
Em meu entender, pelo menos no Norte de Portugal, é a aceleração recente do processo de urbanização e a associada alteração do estatuto da mulher no mercado de trabalho o fator responsável principal pela descida da taxa de fertilidade. Não tenho conhecimento de estudo econométrico específico para demonstrar essa evidência. Mas a súbita descida da taxa de fertilidade nos territórios em que esta urbanização foi mais rápida é demasiado forte para ser ignorada. A este fator junta-se, na minha perspetiva, a acentuada degradação das perspetivas de futuro da população mais jovem, com modelos de inserção no mercado de trabalho cada vez mais precários em termos de estabilidade e com ritmos de afetação de tempo cada vez mais constrangedores. Os custos de oportunidade de mais um filho são extremamente elevados, apesar das condições de proteção familiar que persistem em algumas faixas de população urbana. A aposta em modelos de educação que vão para além do serviço público constitui um fator adicional que vai no sentido de famílias médias de magnitude reduzida.
O comportamento da taxa de fertilidade não é suscetível a meu ver de intervenção pública corretora com efeitos sensíveis a curto prazo. Trata-se de um fenómeno estrutural, com uma componente geracional elevada. Na minha perspetiva, só uma melhoria sustentada das condições económicas e de vida da Euro-região e do horizonte de oportunidades no mercado de trabalho tenderá a projetar a taxa de fertilidade para valores mais elevados. Políticas natalistas pontuais e fiscalidade associada deverão criar alguns incentivos mas as condições impostas pelo resgate financeiro da economia portuguesa constituem um constrangimento sério para a sua generalização e intensidade. A aposta continuada na disseminação de creches e outras formas de proteção aos casais jovens será certamente uma via a reter e a reforçar. Mas enquanto as condições económicas e sociais gerais não proporcionarem aos casais jovens um horizonte de menor incerteza essas medidas tenderão a produzir um efeito pontual.
Na minha previsão, a taxa de fertilidade tenderá, pelo menos durante uma a duas décadas, a evoluir em torno dos valores atrás assinalados. Assim, sem perder de vista os objetivos mais gerais de criação de um horizonte económico mais favorável à fertilidade, penso que serão as políticas públicas de acomodação do envelhecimento a predominar. Trata-se de um desafio extremo e não é uma questão específica da Euro-região. No caso de Portugal, trata-se de um problema nacional, com profunda repercussão nas novas escolhas públicas e na reformatação necessária de toda a despesa pública a nível central, regional e local. Aliás, penso que o deveríamos ter antecipado com mais consistência e poder de previsão, já que estamos a falar de tendências pesadas que exigem uma profunda reorientação das prioridades dos serviços públicos e que exigem tempo e maturação.

Sem comentários:

Enviar um comentário