(Densidade populacional na euro-região Galiza-Norte
de Portugal para o ano comparável de 2009)
A Agência de Ecologia Urbana do Eixo Atlântico teve a amabilidade de me convidar para um encontro de prospetiva territorial
do projeto DESOURB daquela instituição, centrado nos domínios da demografia e
do ordenamento do território, que terá lugar amanhã em Santiago de Compostela,
na Conselheria de Ambiente da Xunta de Galicia.
A reflexão será conduzida com base no
lançamento de algumas questões e no desenvolvimento cruzado das respostas que
os participantes prepararam para essas questões.
Dada a importância do tema para o âmbito
deste blogue, que estava concebido para acolher mais contributos na área do
ordenamento, que ainda não conseguimos concretizar, reproduzo hoje aqui uma dessas questões e a minha resposta à
mesma. Em posts seguintes, terei oportunidade de voltar aos temas desta reflexão
prospetiva.
QUESTÃO
“SOMOS CADA VEZ MENOS E CADA VEZ MAIS VELHOS” Que ações estratégicas
considera fundamentais para combater esta tendência sócio demográfica?
A MINHA
RESPOSTA
As sociedades enfrentam historicamente
ciclos demográficos cuja avaliação e integração nos modelos de desenvolvimento
dos territórios devem ser devidamente ponderadas. A existência destes ciclos
está para além das políticas conjunturais e apresentam uma espessura histórica
e temporal que tem de ser tida em conta na formulação e concretização de
políticas públicas.
O que parece ser novidade na
EURO-REGIÂO é a relativa aceleração dos processos que conduziram à evidência do
“SOMOS CADA VEZ MENOS E CADA VEZ MAIS VELHOS”. Todos nos recordamos como na
década de 80, pelo menos algumas das NUTS III do território do Norte de
Portugal eram consideradas, a par de algumas regiões irlandesas, como uma das
regiões mais jovens da Europa, aliás com taxas de atividade juvenil que
impressionavam pelo seu valor elevado a maioria dos observadores europeus. Esse
estado de graça de juventude que, pelo menos o Norte de Portugal evidenciava,
consumiu-se com rapidez, ficando pelo menos a evidência de que conseguimos
melhorar acentuadamente os níveis de qualificação dessa população jovem, embora
não atingindo patamares comparativos com os das regiões europeias mais
evoluídas.
Pode então questionar-se que fatores
terão precipitado a interrupção desse estado de graça, fazendo convergir a
Euro-região Galiza-Norte de Portugal para um padrão de envelhecimento que é
comum a toda a União Europeia e que constitui um dos seus problemas sistémicos
mais relevantes, com impacto sério no seu modelo social.
Em primeiro lugar, o mesmo que
imperfeito Estado-Providência dos países da Europa do Sul tem conseguido
através das políticas de saúde e da melhoria generalizada das condições de vida
uma redução persistente e continuada das taxas de mortalidade, aumentando
sustentadamente a Esperança de Vida à Nascença. Não é novidade face às
evidências registadas nas sociedades ocidentais em geral. O único fator de espanto
possível é compreender em que medida sociedades com estruturas mais recentes e
imperfeitas de Estado-Providência conseguiram projetar também nas condições de
vida e de saúde os efeitos positivos do conhecimento e dos progressos da
medicina. Tenho para mim que o sistema de saúde público em funcionamento nos
dois países, pelo menos em Portugal, constitui apesar dos seus problemas de
eficiência e de financiamento, uma das realidades mais relevantes da
democracia. Isto acontece apesar da existência de fatores de morbilidade ainda
não totalmente controlados e especificamente associados aos mais baixos níveis
de desenvolvimento de alguns territórios. Os fenómenos de pobreza absoluta
observados nestes territórios tendem a ampliar a incidência destes fenómenos.
Mas, apesar disso, a descida persistente e continuada da taxa de mortalidade
projeta-se no referido valor da esperança de vida à nascença.
Para além disto, há que mencionar a
descida abrupta da taxa de fertilidade observada pelo menos em Portugal, já que
a situação espanhola conheço-a com menos pormenor. Mas os valores de 1,3 e 1,4
para as taxas de fertilidade de Portugal e Espanha em 2009 constituem um dos
mais baixos valores da base de dados do World Bank Development Indicators.
Portugal e Espanha são acompanhados nesta tendência por praticamente todos os
países da Europa Central e do Leste e já por alguma das economias europeias
mais desenvolvidas (Alemanha, por exemplo).
O que é que pode ter explicado esta
aceleração acentuada da queda da taxa de fertilidade?
Desde logo, há que ter em conta que,
pelo menos em Portugal, a reduzida massa demográfica portuguesa reduz
significativamente o chamado efeito inércia demográfica. Como é conhecido,
quando o número de mulheres em idade de procriação é muito elevado a descida da
taxa de fertilidade é compatível, por alguns anos, com a subida continuada do
crescimento demográfico. Neste caso particular, não há razões para admitir que
esse efeito inércia tenha sido relevante.
Em meu entender, pelo menos no Norte de
Portugal, é a aceleração recente do processo de urbanização e a associada
alteração do estatuto da mulher no mercado de trabalho o fator responsável
principal pela descida da taxa de fertilidade. Não tenho conhecimento de estudo
econométrico específico para demonstrar essa evidência. Mas a súbita descida da
taxa de fertilidade nos territórios em que esta urbanização foi mais rápida é
demasiado forte para ser ignorada. A este fator junta-se, na minha perspetiva,
a acentuada degradação das perspetivas de futuro da população mais jovem, com
modelos de inserção no mercado de trabalho cada vez mais precários em termos de
estabilidade e com ritmos de afetação de tempo cada vez mais constrangedores.
Os custos de oportunidade de mais um filho são extremamente elevados, apesar
das condições de proteção familiar que persistem em algumas faixas de população
urbana. A aposta em modelos de educação que vão para além do serviço público
constitui um fator adicional que vai no sentido de famílias médias de magnitude
reduzida.
O comportamento da taxa de fertilidade
não é suscetível a meu ver de intervenção pública corretora com efeitos
sensíveis a curto prazo. Trata-se de um fenómeno estrutural, com uma componente
geracional elevada. Na minha perspetiva, só uma melhoria sustentada das
condições económicas e de vida da Euro-região e do horizonte de oportunidades
no mercado de trabalho tenderá a projetar a taxa de fertilidade para valores
mais elevados. Políticas natalistas pontuais e fiscalidade associada deverão
criar alguns incentivos mas as condições impostas pelo resgate financeiro da
economia portuguesa constituem um constrangimento sério para a sua
generalização e intensidade. A aposta continuada na disseminação de creches e
outras formas de proteção aos casais jovens será certamente uma via a reter e a
reforçar. Mas enquanto as condições económicas e sociais gerais não
proporcionarem aos casais jovens um horizonte de menor incerteza essas medidas
tenderão a produzir um efeito pontual.
Na minha previsão, a taxa de
fertilidade tenderá, pelo menos durante uma a duas décadas, a evoluir em torno
dos valores atrás assinalados. Assim, sem perder de vista os objetivos mais
gerais de criação de um horizonte económico mais favorável à fertilidade, penso
que serão as políticas públicas de acomodação do envelhecimento a predominar.
Trata-se de um desafio extremo e não é uma questão específica da Euro-região.
No caso de Portugal, trata-se de um problema nacional, com profunda repercussão
nas novas escolhas públicas e na reformatação necessária de toda a despesa
pública a nível central, regional e local. Aliás, penso que o deveríamos ter
antecipado com mais consistência e poder de previsão, já que estamos a falar de
tendências pesadas que exigem uma profunda reorientação das prioridades dos
serviços públicos e que exigem tempo e maturação.
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