terça-feira, 6 de março de 2012

PORTUGAL OU OS PORTUGUESES NO DIVÃ



Tenho algum fascínio pelo discurso da psicanálise sobretudo quando ele é aplicado para tentar compreender as características mais profundas da sociedade portuguesa e dos portugueses. Compreendo que a utilização destas categorias suscita sempre alguma reação crítica, sobretudo das bandas da análise sociológica ou política. A utilização de categorias que pretensamente se aplicam transversalmente a todos os grupos sociais pode de facto oferecer reservas. Mas tenho de reconhecer que, embora compreenda as razões de tal reação crítica, o fascínio mantem-se. O Labirinto da Saudade de Eduardo Lourenço, ou a Psicanálise Mítica do Destino Português, como também por vezes é conhecido, é um livro de cabeceira e provavelmente uma das mais inquietantes reflexões sobre o que somos.
Tudo isto a propósito da entrevista do psicanalista António Coimbra de Matos (ACM) a Anabela Mota Ribeiro na Pública do passado domingo, que considero oferecer, para além de uma leitura muito estimulante e fluida, reflexões muito oportunas para pensar o momento atual da sociedade portuguesa.
Distinguindo entre processos de identificação por construção coletiva e construção individual, ACM analisa a dificuldade portuguesa de inovar a não ser em situações de stress, crise ou de emigração para ambientes mais hostis, para a qual encontra razões associadas a uma cultura fortemente ligada aos sistemas do poder e dominada por influência materna, mais conservadora. O avanço da sociedade portuguesa face ao primado da socialização materna é real e será de esperar consequências desse facto, mesmo que a identificação com as estruturas de poder tenda ainda a ser muito forte.
A socialização em ambientes externos nos quais o discordar do outro não suscita a ideia de agressividade e de ofensa faz parte de um longo processo de rotura face a uma cultura dominante mais de proteção do que de promoção da autonomia individual: “Não são os animais ómega, as crianças, que são menos audazes; são os pais (animais alfa) que não lhes facilitam essa audácia” (ACM). Em vez de assumir a sentença do “se quiseste sair de casa, agora aguenta-te”, “há que deixar partir e (saber) ficar como reserva de retaguarda”.
A distinção operada por ACM entre revolução e revolta, num quadro em que o progresso se faz por ideias fraturantes, é preciosa para compreender a sua incursão pelos caminhos da depressão coletiva. ACM distingue entre a depressão normal (causada pela sensação de perda e derrota) que atinge generalizadamente todos os que a experimentam (como hoje acontece) e a depressão patológica que se reproduz pelos caminhos da resignação ou da autoculpabilização. E caminhamos para o ponto crucial da entrevista do ponto de vista da sua aplicação à interpretação do momento presente. Os portugueses cultivarão pouco a afirmação pessoal (assertividade em sentido psicológico), tendendo a oscilar entre a resignação e autoculpabilização  e a agressividade ou transgredimos na sombra. Os portugueses estão hoje face a um discurso político que ora faz tudo para difundir a ideia regeneradora da autoculpabilização (o viver acima das possibilidades), ora procura despertar um assomo de reatividade e de confiança nas suas próprias forças.
E o psicanalista fala no fim, admitindo que o país se deitaria no divã: (O país) “tinha de ter tempo e espaço para poder crescer por si próprio sem se apoiar noutros. (…) Sou a favor da emigração, de que as pessoas se movam, se cruzem. E sou a favor da depressão normal, com revolta e revolução! Devemos zangar-nos com os tipos que nos fazem mal”.

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