quinta-feira, 22 de março de 2012

MULTINACIONAIS VINDAS DO SUL

Referi-me, em post de 9 Março, a uma forma possível, embora em acelerada perda de foco, de leitura da economia mundial atual. Acrescento hoje algumas notas em torno de uma dimensão alternativa, no caso a suscitada pela observação de um crescente número de firmas multinacionais originárias de países em vias de desenvolvimento (“emerging giants”, acima, em capa da “Time e em ilustração de Alex Nabaum, http://hbr.org), com predominância para uma proveniência BRICs em torno de 40%. O que a reputada consultora “Boston Consulting Group” (BCG) designou, em 2006, como “new global challengers”, análise ulteriormente complementada por aprofundamentos em várias direções (nomeadamente “companies on the move”, “rising stars” ou “local dynamos”, isto é, “not yet gone global”).

Trata-se, obviamente, de empresas e não de países (ver ilustração acima de Bill Butcher em “The Economist”). E trata-se de um grupo de entidades empresariais que, com uma base local de partida estabelecida em RDEs (“economias em desenvolvimento rápido”), fizeram alastrar a sua ação por forma a tornarem-se “players” na concorrência global (entre ganhos de quotas de mercado e aquisições ou parcerias, à escala doméstica ou internacional) e assim contribuem para abalar a ordem económica prevalecente. O BCG chamou-lhes, por isso, “hidden engines” (“motores escondidos”) da economia global, ilustrando o fenómeno com mapas como o acima reproduzido.

Sem prejuízo de futuras incursões e atualizações, por ora recorro apenas a um daqueles documentos do BCG, datado de 2011 (
www.bcg.com/documents/file70055.pdf), para breve elucidação quanto ao “estado da arte”. As 100 “global challengers” identificadas são oriundas de 16 países – sendo um terço chinesas, mas não constando no rol nenhuma das nossas duas agora bem conhecidas Three Gorges (EDP) e State Grid (REN) – e estão envolvidos em variados setores de atividade, assim traduzindo uma marcante evolução qualitativa (de uma presença limitada a sectores específicos e a regiões em desenvolvimento a uma agressividade global com impacto efetivo nos mercados industrializados).

Este fenómeno adiciona uma nova expressão à multinacionalização decorrente de processos de expansão de inúmeras empresas americanas e europeias (anos 50/60), posteriormente alargados a muitas entidades japonesas (anos 60/70) e a algumas coreanas (anos 70/80), por um lado, e confere um conteúdo acrescido àquela emergência anti periférica, por outro. Distantes vão ficando os tempos do “desafio americano” (Servan-Schreiber), da “resposta europeia” ou da “invasão asiática” (seja na versão de uma ameaçadora dinâmica japonesa ou de uma alegada exemplaridade desenvolvimentista dos “novos países industrializados” seus seguidores). O atual jogo concorrencial e estratégico também é, a níveis cada vez mais significativos, protagonizado por companhias chinesas, indianas, brasileiras, russas ou mexicanas em áreas tão diversificadas como as telecomunicações, as tecnologias de informação, os serviços informáticos, a eletrónica, os eletrodomésticos, o automóvel, a energia, a indústria farmacêutica, o cimento ou os bens de consumo.

Nesta linha, um texto por mim publicado há já alguns anos no “Diário Económico” referia o que eram, à época, algumas das principais direções e formas desta realidade (a considerar numa perspetiva ilustrativa e apesar do seu caráter mais ou menos datado face ao advento da crise): capitalizações bolsistas a dispararem (dos mais de 20 mil milhões de dólares da indiana Tata Consulting aos 261 da russa Gazprom, passando pelos 99 da brasileira Petrobrás ou 208 da chinesa Petrochina), mercados bolsistas a registarem subidas a dois dígitos (Bombaim, São Paulo, Xangai, Moscovo) e a fazerem as delícias dos grandes bancos de investimento e fundos internacionais, operações de fusão e aquisição a surpreenderem pela imprevisibilidade do “player” desencadeador (as compras da divisão de computadores da IBM pela chinesa Lenovo, das de terminais móveis da Alcatel e de vídeo da Thompson pela chinesa TCL e da de camiões da Daewoo pela indiana Tata Motors, a aquisição parcial da coreana Sangyong pela chinesa Shanghai Automotive Corporation ou o sucesso da OPA da indiano-holandesa Mittal Steel sobre a Arcelor), posições de destaque e/ou dominação alcançadas por ilustres desconhecidas em sectores relevantes ou em nichos particulares – como, por exemplo: (i) liderança mundial das chinesas Haier (frigoríficos), BYD (baterias), Johnson Electric (pequenos motores elétricos), Pearl River (pianos) e CIMCG (contentores marítimos) ou das brasileiras Embraco (compressores) e Embraer (aviões regionais); (ii) afirmação das chinesas China Mobile (operadora de telecomunicações de maior valor mundial em bolsa), Huawei (equipamentos para banda larga) e Galanz (micro-ondas), das indianas Ranbaxy (genéricos farmacêuticos) e do pólo de Bangalore (70% do mercado de software informático) ou das brasileira Petrobrás (petróleo) e russa Gazprom (gás) por via dos seus gigantescos volumes de negócios (56 e 49 mil milhões de dólares, respetivamente).

Uma arena competitiva mundial efervescente e em forte mutação, pois. E, embora persistam ainda muitas vantagens adquiridas pelas empresas ocidentais previamente instaladas (experiência, marca, redes de distribuição, serviços pós-venda) e estas também possam aceder a ações compensatórias (deslocalização e subcontratação), é já notório que as histórias e as práticas das realidades empresariais emergentes – melhores capacidades de exploração das condições locais em recursos baratos, de adaptação a situações difíceis em termos logísticos e de mercados consumidores, de aproveitamento da abertura ao exterior em matérias de gestão, qualificação, formação e tecnologia – apontam para uma complexa agudização da concorrência futura. Bem diz o “spot” que “a tradição já não é o que era”…

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