quarta-feira, 28 de março de 2012

UM MACROECONOMISTA

William White é um reputado economista canadiano que desempenha atualmente a função de presidente do “Economic and Development Review Committee” da OCDE, após ter sido durante catorze anos economista-chefe do BIS (“Bank for International Settlements”, Banco de Pagamentos Internacionais) em Basileia.

O seu momento de maior visibilidade junto dos meios financeiros internacionais e, em especial, da comunidade dos banqueiros centrais esteve associado à intervenção que fez na importante conferência anual de Jackson Hole (EUA) em 2003 quando criticou o então intocável Alan Greenspan (FED) e apontou os riscos em que ele então estava a incorrer ao manter as taxas de juro a níveis demasiado baixos e ao assim fomentar um excessivo endividamento. Recebeu a arrogante resposta de que “nunca houve uma situação, de que eu tenha conhecimento, de que [atuar preventivamente] tenha tido sucesso”.

Mas White não abandonou as suas convicções e prosseguiu com os avisos. E quando a crise eclodiu os seus esforços foram definitivamente reconhecidos nos meios especializados como os de alguém “who could see the crises coming”. Precocemente, pois, em relação a um Nouriel Roubini cuja exploração mediática do epíteto “Dr. Doom” o tem pretendido associar a uma primeira antevisão da crise financeira de 2007/08.

Perguntado sobre porque não teria sido ouvido, White respondeu com naturalidade: “Foram três fatores. Por ordem crescente de importância: a personalidade de Greenspan, o paradigma que se vivia e os lucros. Greenspan era o maestro e tinha uma influência sobre todos. A sua avaliação contava e pesava. Outro fator foi que eu estava a questionar um paradigma que, aparentemente, funcionava. Os bancos centrais deveriam ocupar-se de combater a inflação e isso eles estavam a fazer de forma brilhante. Mas ninguém pensou no impacto. O mundo é mais complicado do que apenas garantir a estabilidade de preços. Mas o aspeto mais importante foram os lucros. Essa é a natureza humana. Muita gente ganhou muito dinheiro. Para completar, a economia mundial crescia a taxas recordes, a inflação estava baixa e todos ganhavam. Obviamente, as pessoas diziam-me: ‘não estrague a festa’. Eu era o estraga-festas. Claro que ninguém queria acabar com a festa. Portanto, por quê escutar-me?”

Vem tudo isto a propósito de uma afirmação bombástica com que há dias White encheu os “takes” de vários tipos de agências noticiosas internacionais: "Francamente, uma das coisas que mais me surpreende nesta crise, especialmente em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, é o escasso número de gestores de banca que acabou no cárcere". Ao que acrescentou: “se alguém está à frente de uma instituição que falhou em toda a linha, a ideia de que saia com grandes quantidades de dinheiro é inadequada”, sustentando ainda o que designou por “modelo escandinavo” onde "os governos assumiram os passivos bancários mas diluíram as participações dos acionistas e demitiram os gestores".

Relevará ainda sublinhar quanto White se disse também crítico das políticas de “quantitative easing” que imperam nos bancos centrais mais importantes (“expanding their balance sheets in such a huge manner simultaneously”). Porque, embora reconhecendo que “uma situação de explosão da liquidez global aumenta a despesa e induz mais crescimento”, ela não deixa de nefastamente impactar sobre a economia mundial ao produzir “mais inflação, mais elevados preços das matérias-primas, bolhas de preços de ativos e más afetações de investimentos”. Para mais detalhes sobre o pensamento do autor nesta matéria, sugiro a leitura do seu excelente texto “Credit Crisis and the Shortcomings of Traditional Policy Responses”, apresentado na conferência (“Monetary Policy, Sovereign Debt and Financial Stability – The New Trilemma”) promovida no mês passado em Mumbai pelo “Reserve Bank of India”.

O conhecimento e a experiência de White importam também para efeitos de análise da evolução previsível da crise da dívida soberana na Europa. Onde a perspetiva que veicula é a de que “as medidas que têm sido tomadas apenas irão funcionar se a Grécia for um caso isolado”, razão pela qual afirma que "é possível pensar que outros países da Zona Euro não tenham outra solução que não pedir uma reestruturação ordenada da sua dívida, mas de momento prefiro dizer que a Grécia é uma exceção e esperar o melhor dos cenários".

Finalmente, um recado: “austeridade para todos ao mesmo tempo não é solução para a crise”. Posição que não o conduz a ceder à ideia de novos esforços orçamentais por parte da Alemanha e restantes países “triple A”, já dotados de escassa margem de manobra devido aos seus próprios níveis de endividamento. Defende, isso sim, que “a inflação é parte do processo”: “O BCE tem um objetivo de inflação, o que quer dizer que a queda de preços na periferia deve ser compensada por inflação no centro. É pura aritmética.” Mais concretamente: “Isto significa que os alemães poderiam começar a sentir-se mais ricos e ampliar o mercado para as exportações espanholas [periféricas]. A única coisa que faz falta é que estes países, pouco habituados às subidas de preços, deixem que isso se passe. Que assumam que numa União Monetária, a inflação num país é a contrapartida da deflação noutro.” Caso para dizer: “to whom it may concern”…

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