sábado, 10 de março de 2012

PARQUE ESCOLAR OU A INTRIGA DOS NÚMEROS



O ping-pong de informação e contra-informação em torno dos custos efetivamente associados às intervenções realizadas na modernização do parque escolar ilustra na perfeição a ausência de uma cultura de transparência, monitorização coerente e de dimensionamento adequado do investimento público em Portugal. O ping-pong a que me refiro envolveu o Governo, a própria Parque Escolar E.P.E, o PS e os próprios partidos da maioria, acabando por formatar um torneio lamentável.
Não está em discussão o acerto do programa de modernização das infraestruturas escolares lançado pelo anterior Governo, sobretudo do ponto de vista do aproveitamento de Fundos Estruturais que possibilitou e muito principalmente pelo momento em que foi lançado, proporcionando uma intervenção claramente contra-cíclica face ao impacto da crise internacional na economia portuguesa.
Mas só a inexistência de informação transparente, inequívoca e validada por uma entidade qualquer de certificação de informação respeitante à utilização de fundos públicos pode explicar o ping-pong de interpretações quanto às derrapagens orçamentais (sobretudo em termos de custos) do programa. Nestes casos, não pode haver margem para danças de números. A defesa do interesse público exige clareza e sobretudo informação orientada para objetivos de “accountability” (imputação de responsabilidades) sem os quais a bondade do programa pode estar irremediavelmente comprometida.
Já antes do atual Governo entrar em funções, a opinião pública menos informada e alimentada por rumores de que a comunicação social é pródiga em acolher para além do admissível se referia a algum descontrolo orçamental. O ping-pong de agora sugere que o Governo terá sido pouco correto na medida desse descontrolo de custos e provavelmente a Parque Escolar terá tentado minimizar a derrapagem efetivamente observada.
Embora se trate de matéria que, regra geral, os defensores da intervenção pública desta natureza não gostem de debater, defendo pelo contrário que a “accountability” destes processos deve estar no centro dessa opção. No caso vertente, assistiu-se em alguns casos (o processo deveria merecer uma avaliação rigorosa não apenas do ponto de vista estrito em que a Inspeção Geral de Finanças costuma realizar estas operações) a uma combinação potencialmente explosiva: conjuntura económica a exigir intervenção rápida, Governo ávido de resultados, arquitetos de prestígio sempre à procura de uma folga orçamental, diretores de escola transformados em aspirantes a Marquês do Pombal, fragilidade de condições de fiscalização de obra, ausência de preocupações de economia e eficiência energética na grande generalidade dos processos. Os resultados da presença de tantos fatores potencialmente explosivos não terão produzido generalizadamente situações perversas. Elas terão existido em alguns projetos e seria muito relevante ter para debate público uma avaliação de todo o processo, incluindo impactos nas economias locais e sobretudo nas condições de funcionamento. Sabe-se ainda que, ironia das ironias, a modernização do parque escolar foi concretizada, pelo menos na sua primeira fase, num dos piores momentos de estabilidade da vida escolar, principalmente com os professores em conflito. Mas a cultura dominante é a da pequena discussão e o trágico é que muitos defensores da intervenção pública desta natureza entram nesse jogo, ou como se diz na gíria “pondo-se a jeito” da intriga dos números.
Provavelmente, com o agravamento das condições de financiamento e com a derrapagem orçamental observada (qualquer que ela seja), teremos nos próximos anos a situação insólita de coexistência de projetos modelares e de excelência do ponto de vista da qualidade das instalações escolares com situações de degradação que não conseguiram entrar na fase certa.
Há aqui também uma situação clara de ausência de construção de um modelo de projeto público que corresponda a uma avaliação não distorcida dos recursos financeiros disponíveis. E a arquitetura de excelência que temos que me desculpe: também ela deve orientar a sua excelência e adaptar-se a um novo horizonte de escolhas públicas.

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