O ping-pong de
informação e contra-informação em torno dos custos efetivamente associados às intervenções
realizadas na modernização do parque escolar ilustra na perfeição a ausência de
uma cultura de transparência, monitorização coerente e de dimensionamento
adequado do investimento público em Portugal. O ping-pong a que me refiro
envolveu o Governo, a própria Parque Escolar E.P.E, o PS e os próprios partidos
da maioria, acabando por formatar um torneio lamentável.
Não está em discussão o acerto do programa de modernização
das infraestruturas escolares lançado pelo anterior Governo, sobretudo do ponto
de vista do aproveitamento de Fundos Estruturais que possibilitou e muito
principalmente pelo momento em que foi lançado, proporcionando uma intervenção
claramente contra-cíclica face ao impacto da crise internacional na economia
portuguesa.
Mas só a inexistência de informação transparente, inequívoca
e validada por uma entidade qualquer de certificação de informação respeitante à
utilização de fundos públicos pode explicar o ping-pong de interpretações quanto às derrapagens orçamentais (sobretudo
em termos de custos) do programa. Nestes casos, não pode haver margem para
danças de números. A defesa do interesse público exige clareza e sobretudo
informação orientada para objetivos de “accountability”
(imputação de responsabilidades) sem os quais a bondade do programa pode estar
irremediavelmente comprometida.
Já antes do atual Governo entrar em funções, a opinião pública
menos informada e alimentada por rumores de que a comunicação social é pródiga
em acolher para além do admissível se referia a algum descontrolo orçamental. O
ping-pong de agora sugere que o Governo
terá sido pouco correto na medida desse descontrolo de custos e provavelmente a
Parque Escolar terá tentado minimizar a derrapagem efetivamente observada.
Embora se trate de matéria que, regra geral, os defensores
da intervenção pública desta natureza não gostem de debater, defendo pelo contrário
que a “accountability” destes
processos deve estar no centro dessa opção. No caso vertente, assistiu-se em
alguns casos (o processo deveria merecer uma avaliação rigorosa não apenas do
ponto de vista estrito em que a Inspeção Geral de Finanças costuma realizar estas
operações) a uma combinação potencialmente explosiva: conjuntura económica a
exigir intervenção rápida, Governo ávido de resultados, arquitetos de prestígio
sempre à procura de uma folga orçamental, diretores de escola transformados em
aspirantes a Marquês do Pombal, fragilidade de condições de fiscalização de
obra, ausência de preocupações de economia e eficiência energética na grande
generalidade dos processos. Os resultados da presença de tantos fatores
potencialmente explosivos não terão produzido generalizadamente situações
perversas. Elas terão existido em alguns projetos e seria muito relevante ter
para debate público uma avaliação de todo o processo, incluindo impactos nas
economias locais e sobretudo nas condições de funcionamento. Sabe-se ainda que,
ironia das ironias, a modernização do parque escolar foi concretizada, pelo
menos na sua primeira fase, num dos piores momentos de estabilidade da vida
escolar, principalmente com os professores em conflito. Mas a cultura dominante
é a da pequena discussão e o trágico é que muitos defensores da intervenção pública
desta natureza entram nesse jogo, ou como se diz na gíria “pondo-se a jeito” da
intriga dos números.
Provavelmente, com o agravamento das condições de
financiamento e com a derrapagem orçamental observada (qualquer que ela seja),
teremos nos próximos anos a situação insólita de coexistência de projetos
modelares e de excelência do ponto de vista da qualidade das instalações
escolares com situações de degradação que não conseguiram entrar na fase certa.
Há aqui também uma situação clara de ausência de construção
de um modelo de projeto público que corresponda a uma avaliação não distorcida
dos recursos financeiros disponíveis. E a arquitetura de excelência que temos
que me desculpe: também ela deve orientar a sua excelência e adaptar-se a um
novo horizonte de escolhas públicas.
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