terça-feira, 13 de março de 2012

A DANÇA DAS RENDAS ELÉTRICAS

A demissão do Secretário de Estado da Energia Henrique Gomes suscita de novo o tema já aqui aflorado dos preços dos serviços de rede e protegidos e, a fazer fé no tom generalizado da imprensa, oculta uma tensão mais ou menos oculta entre os operadores, a política pública, os consumidores e a competitividade da economia. Este último não pode nunca ser ignorado pois, como já repetidas vezes aqui comentei, um preço anormalmente elevado destes preços tende a apreciar a taxa de câmbio real da economia e, consequentemente, a penalizar a competitividade.
Antes de mais, a dança das rendas elétricas é também motivo de danças estranhas entre as cadeiras da governação e das entidades reguladoras, o que não me parece nada saudável para a transparência quer da regulação, quer da própria governação.
Esta matéria é crucial para traçar as fronteiras entre o público e o privado, mais propriamente entre o público difuso e pouco transparente e o privado sempre ávido na captação das rendas públicas, aprisionando e viciando a intervenção pública.
Considero-me um cidadão relativamente informado e com uma formação económica que não deslustra. Mas mesmo assim tenho de confessar que não é fácil perceber até que ponto o financiamento das renováveis e todo o universo das rendas elétricas que está na base desta luta surda que levou à dispensa do elo mais fraco corresponde a níveis aceitáveis e justificáveis de apoio público. Bem sei que o manifesto que circulou há tempos com o pouco transparente Mira Amaral na frente do touro está à partida conotado com outros lobbies energéticos e por isso deve merecer uma leitura cautelosa. Mas também é um facto que o manifesto não deu origem a qualquer debate suficientemente transparente e bem suportado por informação clara, legível e sobretudo “accountable”. E sempre que isto sucede em Portugal há, regra geral, gato escondido, melhor dizendo capturação dos interesses do Estado. Na mesma linha de suspeição, o estudo que parece ter suportado a posição do Secretário de Estado demissionário não é generalizadamente conhecido, estando por isso impedido de merecer um escrutínio generalizado de gente que, descomprometida e distante da dança das rendas, poderia oferecer ao debate democrático um contributo inestimável.
São estas formas de captura do Estado e de má intervenção pública que inquinam o debate necessário sobre as escolhas públicas no Portugal de hoje. E podemos chegar ao paradoxo de ter de apoiar (cruzes que credo) os esforços da Troika em procurar desmontar estas formas de capitalismo superprotegido. Trata-se mais propriamente de modalidades de proteção espúria que se pagam caro, muito caro e que penalizam uma revisão mais radical das escolhas públicas, adaptada às reais necessidades de uma economia que necessita de almofadas sociais e de apostas consistentes de internacionalização. Dir-me-ão que o esforço de internacionalização da EDP é meritório e que parte da sua rendibilidade é já devida ao negócio internacional. É verdade, mas não é seguro que para o fazer tenha de capturar uma tal massa de rendas. Não é propriamente uma “indústria nascente” rodeada por todos os lados de concorrentes ferozes.
Direito à informação para uma transparência das fronteiras entre o público e o privado.
Curiosamente, ou talvez não, parece não ter havido pronunciamento oficial do PS sobre esta matéria. Com tanta reatividade que tem havido, não deixa de ser intrigante.

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