A demissão do Secretário de Estado da Energia Henrique
Gomes suscita de novo o tema já aqui aflorado dos preços dos serviços de rede e
protegidos e, a fazer fé no tom generalizado da imprensa, oculta uma tensão
mais ou menos oculta entre os operadores, a política pública, os consumidores e
a competitividade da economia. Este último não pode nunca ser ignorado pois,
como já repetidas vezes aqui comentei, um preço anormalmente elevado destes preços
tende a apreciar a taxa de câmbio real da economia e, consequentemente, a
penalizar a competitividade.
Antes de mais, a dança das rendas elétricas é também
motivo de danças estranhas entre as cadeiras da governação e das entidades
reguladoras, o que não me parece nada saudável para a transparência quer da
regulação, quer da própria governação.
Esta matéria é crucial para traçar as fronteiras entre o
público e o privado, mais propriamente entre o público difuso e pouco
transparente e o privado sempre ávido na captação das rendas públicas,
aprisionando e viciando a intervenção pública.
Considero-me um cidadão relativamente informado e com uma
formação económica que não deslustra. Mas mesmo assim tenho de confessar que não
é fácil perceber até que ponto o financiamento das renováveis e todo o universo
das rendas elétricas que está na base desta luta surda que levou à dispensa do
elo mais fraco corresponde a níveis aceitáveis e justificáveis de apoio público.
Bem sei que o manifesto que circulou há tempos com o pouco transparente Mira
Amaral na frente do touro está à partida conotado com outros lobbies energéticos e por isso deve
merecer uma leitura cautelosa. Mas também é um facto que o manifesto não deu
origem a qualquer debate suficientemente transparente e bem suportado por
informação clara, legível e sobretudo “accountable”.
E sempre que isto sucede em Portugal há, regra geral, gato escondido, melhor
dizendo capturação dos interesses do Estado. Na mesma linha de suspeição, o
estudo que parece ter suportado a posição do Secretário de Estado demissionário
não é generalizadamente conhecido, estando por isso impedido de merecer um
escrutínio generalizado de gente que, descomprometida e distante da dança das
rendas, poderia oferecer ao debate democrático um contributo inestimável.
São estas formas de captura do Estado e de má intervenção
pública que inquinam o debate necessário sobre as escolhas públicas no Portugal
de hoje. E podemos chegar ao paradoxo de ter de apoiar (cruzes que credo) os esforços da Troika em
procurar desmontar estas formas de capitalismo superprotegido. Trata-se mais
propriamente de modalidades de proteção espúria que se pagam caro, muito caro e
que penalizam uma revisão mais radical das escolhas públicas, adaptada às reais
necessidades de uma economia que necessita de almofadas sociais e de apostas
consistentes de internacionalização. Dir-me-ão que o esforço de
internacionalização da EDP é meritório e que parte da sua rendibilidade é já
devida ao negócio internacional. É verdade, mas não é seguro que para o fazer
tenha de capturar uma tal massa de rendas. Não é propriamente uma “indústria
nascente” rodeada por todos os lados de concorrentes ferozes.
Direito à informação para uma transparência das fronteiras entre o público e o privado.
Curiosamente, ou talvez não, parece não ter havido pronunciamento oficial do PS sobre esta matéria. Com tanta reatividade que tem havido, não deixa de ser intrigante.
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