quarta-feira, 14 de março de 2012

NETOS DA MPB

Quando a minha atividade profissional me levava a passagens periódicas por São Paulo, adquiri o hábito de umas fugidas pela FNAC da Avenida Paulista (ou da Alameda Santos, preferindo a outra entrada) e de por lá ir recolhendo a qualificada opinião sobre as novidades musicais do País de funcionários competentes e “bem com a vida”. Foi assim que pude tomar contacto com autores que desconhecia e foi também assim que se me abriram horizontes dificilmente acessíveis de outro modo.

Penso por vezes nesses momentos de escape. E sinto-lhes a falta, como sempre sentimos em relação a quaisquer “bons hábitos” que forçadamente vamos perdendo. Com a agravante de que também se me tornou mais precária, ou menos simples, a resultante daquelas curtas imersões e a consequente fruição. Mas não baixo os braços, e embora em termos necessariamente mais imperfeitos, cá me vou satisfazendo com a alternativa de uma municiação através dos recursos disponíveis (entre telefonia e conselhos de amigos ou, mais estruturadamente, entre as FNAC’s locais e o suplemento “Ipsílon” do "Público").

Vêm estas deambulações a propósito de dois felizes acasos ocorridos recentemente e que pontualmente funcionaram como sucedâneos quase perfeitos do Mauro ou do Eloy. O primeiro teve a ver com a jovem Tulipa Ruiz, com quem me deparei na minha casa de Lisboa acompanhada por vários amigos do meu filho Tiago. Soube então que lançara o seu primeiro disco, “Efêmera”, e que por cá tratava da sua promoção. Ofereceu-me simpaticamente um exemplar, que ouvi, “gostosamente”, no caminho de regresso ao Porto. Só mais tarde percebi que se tratava de uma das grandes revelações da MPB em 2010 – viria mesmo a vencer o “Prémio Multishow de Música Brasileira 2011” para melhor cantora –, com a sua voz rara a interpretar composições “subtis” e originais (próprias ou do pai ou do irmão, o guitarrista Gustavo Ruiz) que integram o que batizou de “pop florestal” (metade paulista, metade mineiro) e que um crítico local resumiu incomparavelmente como “uma releitura do melhor do tropicalismo com um olhar no futuro”.
Há dias foi a vez de Nuno Pacheco me aproximar de outra jovem estrela, este um gaúcho de apenas 24 anos chamado Felipe Catto e igualmente em álbum de estreia. Confirmei, em agradavelmente inesperado dobro, as referências daquele crítico quer quanto à sua “paleta vocal” e timbre de contratenor – “como querer que não me comparem com Ney Matogrosso sendo que tenho voz de mulher?” – quer quanto ao “luxuoso catálogo das suas potencialidades vocais e autorais” (Felipe assina a composição e letras de nove das quinze canções gravadas e regrava músicas de Arnaldo Antunes, Reginaldo Rossi, Nei Lisboa ou Zé Ramalho, neste último caso arriscando um “Ave de Prata” que há 32 anos dera nome ao primeiro LP de Elba Ramalho). Em entrevista, refere que “o que mais me inspira dentro da música é a entrega das pessoas que se emocionam cantando” e menciona as suas grandes referências nacionais (Cássia Eller, Elis Regina e Milton Nascimento) e influências vocais (Jeff Buckley e Antony Hegarty, de Antony and the Johnstons). A variedade de universos para que “Fôlego” nos reconduz – samba, tango, sons latinos, canção sentimental tradicional, cabaret, swing, blues, rock, mas sempre sem se deixar vincular a rótulos e ritmos – fazem do consumo dos seus quase 45 minutos de duração um enorme momento de prazer.

Vale o que vale, mas “góstei e assino embaixo”…

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