Volto a Medina Carreira. E cito do “Olhos nos Olhos” de 13 de Fevereiro: “Se nós não entendermos que o grande mal, o cancro da nossa doença está no Médio Oriente com petróleos e gás e no Extremo Oriente com as indústrias (…). Tem de se começar a pensar nisto e você não ouve ninguém pensar nisto.”
A realidade, essa, é outra: o diagnóstico é banal e, apesar de o pensamento não se ouvir, a abordagem do assunto enche páginas e é ouvida bem alto! Até porque reporta a algo que é polémico, pelo menos, desde a célebre “hipótese dos três setores” (com a economia a deslocar-se do primário para o secundário e deste para o terciário em função do seu estádio de desenvolvimento) formulada por Colin Clark. Esta ideia de uma “transformação estrutural” foi trabalhada em múltiplas direções – Jean Fourastié (“The Great Hope of the Twentieth Century”), por exemplo, sublinhou o seu impacto em termos de educação e qualificação, proteção social, qualidade de vida e humanização do trabalho e dimensão cultural. Depois, circulou por aí, em larga escala, a defesa dos benefícios da “desindustrialização” e um seu contraponto em termos de uma dicotomia entre setores abertos e protegidos da economia (concorrenciais e não concorrenciais, dizia Raymond Courbis). Uma época em que a minha marca pessoal mais forte esteve na obra de um pós-keynesiano de Cambridge, John Cornwall, e no seu magnífico “Modern Capitalism – Its Growth and Transformation”, que então utilizei e recomendei abundantemente nas minhas aulas de Economia Industrial Europeia na Universidade Católica. O tema perdeu alguma centralidade com o advento e afirmação do “capitalismo financeiro” mas voltou agora à ordem do dia, quer com os defensores de uma reemergência do “modelo industrial” nos países desenvolvidos (reindustrialização, acima ilustrada por Claudio Muñoz em http://www.economist.comnode18682182 – “Moving Back to America”) quer com as manifestações de relançamento económico nos Estados Unidos, onde o debate está ao rubro.
Uma enorme acha para essa fogueira veio do próprio Presidente Obama no seu discurso sobre o Estado da Nação, como já tive oportunidade de referir (post de 8 de Fevereiro). Que motivou reações em diversos sentidos e para quase todos os gostos. Como, entre as perspetivas críticas, a ali citada de Jagdish Bhagwati (“a noção de que a indústria transformadora é mais produtiva do que os serviços não é suportada pela investigação”) e a da já aqui muito elogiada (post do António Figueiredo de 19 de Fevereiro) Christina Romer (“um argumento bem sucedido para uma política industrial tem de ir para além do sentimento de que é melhor produzir ‘coisas reais’ do que serviços”).
No mesmo artigo (“Do Manufacturers Need Special Treatment”, “New York Times” de 4/2), Romer esclarece existirem três categorias de racionais económicos (falhas de mercado, empregos e distribuição do rendimento) para o apoio à indústria, mas adianta também que “nenhum é completamente convincente”. E conclui: “Como historiadora económica, prezo o que a indústria contribuiu para os Estados Unidos. Foi o motor do crescimento que nos permitiu vencer duas guerras mundiais e proporcionar a milhões de famílias um bilhete para a classe média. Mas a política pública precisa de ir para além do sentimento e da história.” Na mesma linha vai Mark Thoma, o declarado responsável pela quarta leitura matinal de Krugman: “embora eu pense que a indústria é uma das nossas melhores esperanças atualmente, não é a única esperança que temos e não devemos sobre enfatizar nenhuma área”.
Entre os que aplaudiram Obama está a ex-Presidente do “Council of Economic Advisers” de Clinton, Laura D’Andrea Tyson (“Why Manufacturing Still Matters”, “New York Times” de 10/2). Sublinhando três pontos: que “os EUA devem reequilibrar o seu crescimento deslocando-se do consumo e das importações financiados por crédito externo para a exportações”; que “em média os empregos industriais são empregos de alta produtividade e alto valor acrescentado, com bons salários e benefícios suplementares”; que a indústria releva “devido ao seu substancial e desproporcionado papel na inovação”.
Mas o debate não se cinge ao outro lado do Atlântico. Ainda há poucos dias, foi divulgado em Londres um relatório – comissionado por David Cameron e compilado por um empresário prestigiado (Sir Anthony Bamford, “chairman” da JCB) – mostrando a dimensão negativa do “gap” económico existente entre o Reino Unido e os seus principais concorrentes, relacionando esse diferencial com crescentes perdas e lacunas do setor industrial britânico (o gráfico do “Financial Times” acima reproduzido, evidenciando as quotas da produção industrial mundial historicamente detidas por cinco grandes economias, dá conta da continuada quebra da posição britânica e do mínimo por ela atingido em 2010), chamando às
armas a indústria inglesa e defendendo novas políticas de revigoramento (um “nine-point action plan”) do setor transformador (ver, nomeadamente, o artigo “Call for manufacturing tsar to boost economy”, publicado por Peter Marsh no “Financial Times”, http://www.ft.com/intl/cms/s/0/50e1b694-5f13-11e1-a04d 00144feabdc0.html#axzz1nbMxOEj9). Relatório a que outros (como Jonathan Portes, diretor do ”National Institute of Economic and Social Research”) reagiram expressando o entendimento de que “o Reino Unido não deve tornar-se ‘obsessivo’ sobre a indústria”.
Por uma banda, por outra banda, diria o saudoso Prof. Jorge Leite de Faria. Não importa, “whatever”, para efeitos do argumento que comanda este post. A saber: o tema tem muito que se lhe diga e muito que dizer, mas também muito já dito; como terá, necessariamente também, muito ainda por dizer. O tema tem uma história e um adquirido de conhecimento e não corresponde propriamente, portanto, a uma matéria sobre a qual não se ouve ninguém ou sobre a qual tem de se começar a pensar! Sendo que, ademais, e para começo de conversa, a de Medina Carreira não parece nem a mais inteligível nem a mais rigorosa: “Quando a indústria se instalou na Europa (….), a Europa enveredou por um tipo de economia muito mais produtiva e muito mais enriquecedora (…). Ora, o que se está a passar hoje é que estamos a sair de uma economia industrial para ir para uma economia de serviços (…). Nós viemos de uma economia pobre, entre aspas, a Europa passou para uma economia rica, de indústria, e agora está a caminhar para uma economia pobre. E com esta economia pobre nós não mantemos em geral o padrão de vida que temos, nem vamos ter os empregos que queremos, nem vamos ter os salários que queremos, nem vamos ter os contratos sem prazo que desejaríamos ter, nem mais igualdades.”
Como diria o visado: há que estudar os assuntos…
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